Em outro momento, aqui declarei Miguel Sousa Tavares como intelectualmente defunto para este blogue. As razões foram explicadas na altura. Até porque MST não lê blogues, detesta bloggers e desconfia das redes sociais, como por várias vezes já se prestou a esclarecer. Pois o autor de "Equador" acaba de publicar uma crónica no jornal “Expresso”, intitulada "Esta noite sonhei com Mário Lino". Trata-se da recriação de um diálogo, meio real meio ficcional, que teve com uma "amiga estrangeira" (uma péssima definição, pois penso que os amigos nunca são estrangeiros para nós, a não ser que...) num percurso pela A6, entre Lisboa e Badajoz. Como se dá conta, o tema é a "alta velocidade", a construção de auto-estradas "a mais" e outros "elefantes brancos". O texto, muito apropriado para a silly season, é inquestionavelmente divertido e cria uma razoável malha argumentativa sobre temas fundamentais para o desenvolvimento do país. No entanto, se por um lado revela um pathos muito característico, por outro enferma de alguma demagogia e de muito pessimismo. Senão vejamos:
1. MST tornou-se uma espécie de luddite do séc. XXI. Que para além de desdenhar as novas formas de comunicação e informação, é contra o investimento em vias de comunicação estruturantes (ferro-rodoviárias), que associa a um fontismo desmesurado e sem justificação.
2. A sua "luta" pretende recriar o mesmo episódio de há 150 anos atrás, quando começaram a ser construídas as grandes linhas férras e o combóio se afirmou na paisagem e na economia nacionais. Marcando irreversivelmente o seu desenvolvimento. Sabendo-se que, em 1820, não havia sequer uma estrada contínua entre Lisboa e o Porto, demorando a viagem de carruagem dois dias. E não houve decerto factor de aproximação à Europa tão forte como a existência da linha "Sud Express", apartir de 1880. Sim , também li "A Cidade e as Serras", mas aqui a discussão é outra.
3. Portanto, em vez de fazer esperas aos combóios, armado com um chuço ou uma gadanha, como os camponeses da época do fontismo, MST aparece sob as vestes do paladino contra o betão, o asfalto e os planos faraónicos. Sejam eles o TGV ou a barragem do Alqueva, as autoestradas ou o novo aeroporto.
4. Convém agora dizer que o cronista tem razão nalguns pontos. Passo a enumerá-los: o excesso de troços de autoestrada ligando pontos já servidos por essa infraestrutura, ou cuja extensão diminuta aconselharia à simples duplicação das vias existentes; o caos urbanístico que se instalou na maior parte do território continental e insular; a saturação da linha do Norte, apesar do colossal investimento aí realizado; o tradicional esbanjamento de recursos públicos.
5. Em tudo o resto, a sua crónica parece-me manifestamente exagerada, parafraseando Mark Twain. Notam-se demasiado os preconceitos e a mente curta do lisboeta para quem o resto do país, com excepção do Algarve, deveria ser uma reserva cinematográfica, cinegética e com livre-trânsito para as provas com veículos todo o terreno. De preferência com estradinhas com boas vistas, paisagens sem mácula poluente, gente sorridente e solícita, uma disneylandia rural fantasmática, sem campos de golfe, mas cheia de hoteis com jaccuzzi, para as escapadinhas com as "amigas estrangeiras". Um país de acordo com a versão ampliada e revista da que teve o Estado Novo, pela mão de António Ferro e do SNI.
6. Po outro lado, MST recusa liminarmente a construção do TGV. Usando o argumento do provincianismo. É curioso que o cronista tenha referido esse pecadilho intelectual. O escritor Milan Kundera, no seu último ensaio, "A Cortina" (ed. ASA, 2005) refere precisamente a existência de dois tipos de provincianismo, igualmente negativos: o dos "grandes" e o dos "pequenos". É certo que o autor se refere sobretudo à produção literária. No entanto, o argumento é válido mutatis mutandis. Pois MST consegue, de uma assentada, conciliar os dois provincianismos. Ou seja o "deixemo-nos ficar isolados pois ninguém quer saber de nós", típico de quem vive num país periférico, com o "nós aqui já estamos servidos do que interessa, para quê dar valor ao que está fora?", típico de quem vive na capital!
7. O ponto de vista de MST resulta assim pobre, curto e algo arrogante E porquê? Sabe-se que o custo do transporte rodoviário, de que depende 80% da economia nacional, se tornou incomportável; que existem autoestradas transversais, que ligam o interior e o litoral, ainda sem custos para os utentes (algo de que MST decerto discorda), onde a discriminação positiva se justifica plenamente, uma vez que são essenciais para o desenvolvimento do país e para a sua coesão; que um novo aeroporto se justifica, embora com dimensões modestas, destinado a vôos "low cost", associando as respectivas companhias à gestão da nova estrutura; que é urgente a construção de duas linhas de alta velocidade: uma em "T" que ligue Lisboa ao Porto e a Madrid, e uma outra, sobretudo para mercadorias, entre Aveiro e Salamanca, com ligação à rede europeia.
8. Claro que todas estas estruturas são dispendiosas e requerem um elevadíssimo investimento. Mas os benefícios não se podem medir somente em números. Tal como o Alqueva não se pode avaliar pelos resultados imediatos, mas pela sua utilização futura, cujos contornos porventura desconhecemos. Ora, é precisamente pela amplitude da generosidade para com as gerações vindouras e pela visão prospectiva em relação ao devir que a história nos irá julgar. Não desperdicemos a oportunidade.
1. MST tornou-se uma espécie de luddite do séc. XXI. Que para além de desdenhar as novas formas de comunicação e informação, é contra o investimento em vias de comunicação estruturantes (ferro-rodoviárias), que associa a um fontismo desmesurado e sem justificação.
2. A sua "luta" pretende recriar o mesmo episódio de há 150 anos atrás, quando começaram a ser construídas as grandes linhas férras e o combóio se afirmou na paisagem e na economia nacionais. Marcando irreversivelmente o seu desenvolvimento. Sabendo-se que, em 1820, não havia sequer uma estrada contínua entre Lisboa e o Porto, demorando a viagem de carruagem dois dias. E não houve decerto factor de aproximação à Europa tão forte como a existência da linha "Sud Express", apartir de 1880. Sim , também li "A Cidade e as Serras", mas aqui a discussão é outra.
3. Portanto, em vez de fazer esperas aos combóios, armado com um chuço ou uma gadanha, como os camponeses da época do fontismo, MST aparece sob as vestes do paladino contra o betão, o asfalto e os planos faraónicos. Sejam eles o TGV ou a barragem do Alqueva, as autoestradas ou o novo aeroporto.
4. Convém agora dizer que o cronista tem razão nalguns pontos. Passo a enumerá-los: o excesso de troços de autoestrada ligando pontos já servidos por essa infraestrutura, ou cuja extensão diminuta aconselharia à simples duplicação das vias existentes; o caos urbanístico que se instalou na maior parte do território continental e insular; a saturação da linha do Norte, apesar do colossal investimento aí realizado; o tradicional esbanjamento de recursos públicos.
5. Em tudo o resto, a sua crónica parece-me manifestamente exagerada, parafraseando Mark Twain. Notam-se demasiado os preconceitos e a mente curta do lisboeta para quem o resto do país, com excepção do Algarve, deveria ser uma reserva cinematográfica, cinegética e com livre-trânsito para as provas com veículos todo o terreno. De preferência com estradinhas com boas vistas, paisagens sem mácula poluente, gente sorridente e solícita, uma disneylandia rural fantasmática, sem campos de golfe, mas cheia de hoteis com jaccuzzi, para as escapadinhas com as "amigas estrangeiras". Um país de acordo com a versão ampliada e revista da que teve o Estado Novo, pela mão de António Ferro e do SNI.
6. Po outro lado, MST recusa liminarmente a construção do TGV. Usando o argumento do provincianismo. É curioso que o cronista tenha referido esse pecadilho intelectual. O escritor Milan Kundera, no seu último ensaio, "A Cortina" (ed. ASA, 2005) refere precisamente a existência de dois tipos de provincianismo, igualmente negativos: o dos "grandes" e o dos "pequenos". É certo que o autor se refere sobretudo à produção literária. No entanto, o argumento é válido mutatis mutandis. Pois MST consegue, de uma assentada, conciliar os dois provincianismos. Ou seja o "deixemo-nos ficar isolados pois ninguém quer saber de nós", típico de quem vive num país periférico, com o "nós aqui já estamos servidos do que interessa, para quê dar valor ao que está fora?", típico de quem vive na capital!
7. O ponto de vista de MST resulta assim pobre, curto e algo arrogante E porquê? Sabe-se que o custo do transporte rodoviário, de que depende 80% da economia nacional, se tornou incomportável; que existem autoestradas transversais, que ligam o interior e o litoral, ainda sem custos para os utentes (algo de que MST decerto discorda), onde a discriminação positiva se justifica plenamente, uma vez que são essenciais para o desenvolvimento do país e para a sua coesão; que um novo aeroporto se justifica, embora com dimensões modestas, destinado a vôos "low cost", associando as respectivas companhias à gestão da nova estrutura; que é urgente a construção de duas linhas de alta velocidade: uma em "T" que ligue Lisboa ao Porto e a Madrid, e uma outra, sobretudo para mercadorias, entre Aveiro e Salamanca, com ligação à rede europeia.
8. Claro que todas estas estruturas são dispendiosas e requerem um elevadíssimo investimento. Mas os benefícios não se podem medir somente em números. Tal como o Alqueva não se pode avaliar pelos resultados imediatos, mas pela sua utilização futura, cujos contornos porventura desconhecemos. Ora, é precisamente pela amplitude da generosidade para com as gerações vindouras e pela visão prospectiva em relação ao devir que a história nos irá julgar. Não desperdicemos a oportunidade.
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