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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Tábua de marés (11)

Duques de Bergara unplugged
Direcção: Sergi Faustino
Interpretação: Mònica Muntaner e David Espinosa
Auditório do Teatro das Beiras, Covilhã, 1 de Novembro, 21h30
Festival Y#6, 2008 (http://www.quartaparede.pt)

Suponhamos que a ideia de performance, no que se refere ao trabalho do actor, signifique a produção de sentidos através de procedimentos técnicos que exijam dele uma condição física específica e um desejo de exposição social. Parto deste conceito de performance, como uma prática teatral que implica uma experiência de vida, cada vez que é aberto o processo de representação. Entendida esta aqui não como uma simples apresentação de um texto frente a um público determinado, mas sim como uma prática colectiva de construção. De uma apresentação cénica que supõe uma ritualidade específica, uma demonstração interactiva. Ausente esse propósito nivelador, será mais apropriado falar, neste espectáculo, de uma instalação teatral. E porquê? São várias as razões: em primeiro lugar, a obra não obedece a nenhum tema central nem pretende transmitir nenhuma mensagem. O que ali se passa pertence ao quotidiano. Por outro lado, trata-se de teatro de texto, mas onde a estrutura narrativa não é linear, mas fragmentária. Quando os dois actores descrevem simultaneamente, de forma obsessiva e pormenorizada, o hall do hotel, não vejo aí um simples jogo, mas um discurso polifónico que cria um efeito de estranheza e de incomunicação. E que apaga qualquer evidência de um sentido por detrás de tanta informação. Porque é precisamente o excesso de sentido o produto mais óbvio de um discurso sôfrego e vácuo, que diariamente é veiculado pelos media. Em terceiro lugar, e como resultado, a peça é sobretudo uma comédia, onde a derrisão triunfa em toda a linha.
Existem neste espectáculo características particulares: o minimalismo cénico, que ressalta do princípio ao fim; por outro lado, aquilo que me pareceu ser uma quota generosa de improvisação, utilizada, a espaços, pelos actores. Que por vezes poderá causar algum gaguejar do ritmo, mas que, no geral, me pareceu ser uma opção convincente do encenador. Todavia, embora próxima da comédia de texto tradicional, não faltará quem aponte a sua frivolidade, ou o seu conservadorismo. Mas é precisamente essa ambiguidade que a torna uma criação tão consistente, sem que seja possível determinar a sua exacta natureza. Onde descubro uma mescla de formalismo com uma intensa poética do vazio, digamos assim. Vazio material pela ausência de cenografia e vazio dramático pela falta de acção e evolução dos personagens.

Publicado no jornal "O Interior", em 6 de Novembro

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