A vidinha acorda. A vidinha irrompe na voz fanhosa do locutor, lembrando as temperaturas. A vidinha coçante, descolhoante. A vidinha que nos segue para todo lado, com palavras grandes e outras pequeninas. A vidinha a puxar para um passado que nunca existirá. A vidinha a chamar-nos, a chamar-nos, despudoradamente, para o habitáculo possível. Gostava de te dizer, de o dizer aos teus olhos para que me acreditasses, que as palavras existem gravadas na pedra contra o esquecimento. Gostava de te dizer só isso. Provavelmente depois nunca mais me verias e os teus olhos saberiam que eu mentira. Esta conversa diáfana terá sempre poucas ou demasiadas palavras. É impossível a urgência, como é impossível remetê-la ao vazio. Só os corpos e as navalhas ousam falar por dentro das coisas. E as palavras, temem, antes de tudo, impor-se no território dos outros. Mas isso foi antes e fora da vidinha. A tal que nos impingem nas escolas, nas cátedras, nos discursos edificantes, nos balcões da burocracia, na Cultura, nos dois minutinhos de publicidade bancária na rádio, prometendo o céu em troca de juros a 40%. No final vai-se ver e o fato nunca nunca está à medida. Então entra a vidinha, refulgente, gloriosa. A tal. A da mentira sufocante. A esdrúxula, a inquietante, a rasticolante. Lembram-se?
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