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segunda-feira, 11 de junho de 2007

A Zona


De entre todos os filmes que não caíram no imerecido inferno do esquecimento, destaco com nitidez Stalker, de Andrei Tarkovski. Realizador que permanecerá na história do cinema pelo poder sugestivo das suas imagens e alegorias filosóficas, que ilustram preocupações colectivas do seu tempo. De entre as obras do realizador que pude ver, Stalker interessou-me de forma particular, entre outras razões, pela verosimilhança da duração do tempo da acção: os minutos sucedem-se em planos que apenas mudam para expressar a lentidão do que não pode ser fugaz. Porque este filme não é, creio, senão a construção em imagens de uma ideia de Tarkovski sobre o cepticismo e a incapacidade actual de ter fé e esperança em algo. Mediante uma travessia numa paisagem desolada e onde se revelam as hesitações e sofrimentos da atribulada consciência de três personagens. Como? Em resumo, numa região inóspita ocorreu um acontecimento que não se sabe ao certo o que foi — caiu uma nave espacial, um meteorito... e as autoridades isolaram o perímetro, proibindo o acesso. Não obstante, um homem (stalker, em inglês aquele que vigia a caça) guia os que desejam descobrir esse segredo. Um deles é um escritor, outro um cientista. Os três, dificilmente, atravessam a barreira vigiada desse território e nele progridem. O stalker arrisca-se muito na tarefa, mas anseia cumprir os seus objectivos: quer que eles saibam o que há ali, que tenham fé em algo e creiam nesse lugar, no qual, aparentemente, há um recinto onde os desejos se tornam realidade e se alcança a felicidade. Desde as primeiras sequências, está totalmente conseguido o ambiente de expectativa inquietante nessa zona que atravessam. O caminho é perigoso, avançam com precauções, já que existem riscos mortais. Atravessam edifícios em ruínas com a constante presença da água (como mais tarde em Nostalgia), que flui sobre estranhos objectos submersos, visíveis através da irreal barreira líquida, numa sequência vertiginosa. Um uivo distante sugere a vida animal, a natureza enigmática. As autoridades que proibiram a entrada na zona fazem o que sempre faz o poder, quando teme que o conhecimento possa ameaçar os seus privilégios. Face ao interdito, o stalker incita à transgressão, como um rebelde ou um iluminado. Trata com rudeza o cientista e o escritor, que por vezes se rebelam contra as suas ordens. Graças às quais praticam uma espécie de marcha forçada neste lento percurso, cruzando paragens onde o temor lhes vai dando lucidez. Quando chegam ao umbral do recinto definitivo, o stalker convida-os a entrar, para que formulem os seus desejos. Todavia, ambos presentem, num assomo de clarividência, que não têm nenhum no qual possam depositar as suas esperanças. Discorrendo, ao invés, sobre o fundo decepcionante das suas vidas.
Em Stalker, a acção é irrealidade ou alegoria, o trabalhoso progresso da experiência. O realizador —segundo o próprio afirmou— nada propôs ao espectador, pois os elementos da obra faziam parte do seu mundo mais reservado, crendo assim que não poderiam ser interpretados. O que não impede que o espectador os relacione com as suas próprias vivências e delas extraia dados novos, que o habilitem a questionar-se no seu domínio íntimo, cumprindo o que Tarkovski considerou uma purificação.

5 comentários:

  1. Uma boa análise ao filme e ao cineasta, Godinho. "Stalker" é, também, o meu Tarkovski favorito. E dizer "favorito" referindo-nos a uma intensa e inesgotável cinematografia como a do realizador russo, até parace paradoxal.

    "Stalker" foi um filme muito duro de realizar para Tarkovski (tal como quase todos os outros, de resto), porque as primeiras bobines filmadas foram destruídas, pelo que houve necessidade de refilmar quase toda a primeira parte do filme. E consta que as relações com os actores não foram as melhores.

    Mas "Stalker" é a confirmação de toda a capacidade imagética de Tarkovski, com alguns dos mais belos planos-sequência de toda a sua obra e com um poder visual de estarrecer o espectador. Chamo a particular atenção para a subtil mas extraordinária banda sonora de Eduard Artemiev, capaz de fortalecer, ainda mais, a metáfora do caminho dos três homens à procura da Zona.

    Há um ensaio precioso (editado em livro) de um poeta espanhol chamado Antonio Bengs só sobre o "Stalker", no qual disseca todos os pormenores de teor filosófico à volta da temática do filme.

    Já deves conhecer, mas deixo aqui à mesma: o site mundial mais completo, exaustivo e interessante sobre a vida e obra do autor de "O Espelho" é espanhol e está aqui - http://www.andreitarkovski.org/

    Victor Afonso

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  2. Uma análise fraca, que flutua entre informações básicas e visões pré-estabelecidas, falto esforço ao filme. O cinema de Tarkovski nada tem a ver com alegorias, simbolismo ou tratados filosóficos, e se ele fizesse seus filmes não se preocupando em passar nada ao expectador ele faria filmes pra ele mesmo, acho que houve um equívoco na interpretação de seus escritos.

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  3. Caro anónimo:

    Só falta dizer PORQUE é que a análise é fraca.

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  4. Talvez o anônimo tenha dito fraca pois Tarkovski é caracterizado substancialmente pelos signos metafísico dos seus filmes. Por exemplo, a clássica cena da água ou a passagem pela água é um simbolismo de renascimento, de purificação, de ressureição, ou de mudança. Não só no cristianismo (Tarkovski era profundamente cristão),islamismo e judaísmo como também em outras culturas orientais (interessante notar que o físico não passa pela água). Há uma passagem idêntica com esse sentido em "Sonhos" de Kurosawa.
    Outro aspecto simbológico relevante é a passagem do mundo metal do ferro fundido (mineral) na 1ª parte do filme, para o mundo vegetal representado na zona, e, ao entrar e aprofundar-se na zona, o aparecimento de animais, representando a 3ª passagem: do vegetal para o animal, terminando enfim no florescimento da consciência no "quarto" dos desejos. Ora, apesar de cristão, aqui aparece uma sequência simbolista da gnose (pelo menos foi o que percebi): a evolução do mineral para o vegetal e tal para o animal. Porém há um sentido contrário, no aspecto racional, na caminhada: eles partem do mineral, involuído, do mundo de ferro, da filosofia racionalista, fria e industrializada pelo processo dialético (crítica ao comunismo, clara em minha opinião), até chegar à intuição espiritual (cristianismo) no quarto dos desejos. Há a triunidade do espírito nos personagens, em que eles, na realidade, representam o Homem (ser humano): corpo, alma e espírito, eles são fé, razão e ciência. A ciência é o físico, a razão é o escritor e a fé logicamente é o stalker. É importante notar que eles sempre estão distinguidos nas imagens, não sobrepostos, fruto da fotografia genial. A discussão entre o escritor e o físico sem a intermediação do stalker mostra a incompatibilidade no ponto máximo em que o físico ironiza o escritor que busca uma razão transcendental, acima da ciência. Ou seja a razão não se basta, é necessária a fé. É importante notar que nesse momento ambos estão em um estado de sonolência, ou seja, desarmando de sua plena consciência e seus mecanismos retóricos do pensamento. Obviamente, Tarkovski, por viver na União Soviética não poderia afirmar toda essa simbologia cristã, sob pena de severas punições do "governo do povo". Loco si, pero no mucho. Há desenas de outras simbologias, mas não compete o momento analisá-las.
    Abraços.
    Cesar
    São Paulo - Brasil

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