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terça-feira, 10 de abril de 2007

Ratos - 2

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4.
(Na casa de Mariana)
HOMEM
Oh Mariana, a mais bela das donzelas! Parece que o grande sono te acolheu! Cheguei tarde demais, e agora, entre nós, só há o crepúsculo. A tua promessa era imensa, os meus olhos assim a viram e a guardaram. Ainda que eu tenha estado aqui e ali, por toda a parte, não poderás nunca sabê-lo. Espio a minha consciência e essa voz débil e incessante chama-me, diz-me “este sou eu sem ser eu”. Agora espreito esse trilho que tu abriste e só oiço a campainha incessante do tempo, quando alcança o gesto morto do ponteiro por trás do vidro do relógio de pêndulo. Bem dentro de mim, para me acordar, ficou essa promessa, para mostrar o local exacto onde devo saltar no tempo e ir por aí.

5.
(Vê-se um túnel, com uma luz ao fundo. Ouve-se água a pingar. Aparece um homem com um fato verde, caminhando e assobiando, mas sem avançar no terreno, como se estivesse a executar um trabalho monótono ou o túnel lhe fosse indiferente. Para e do escuro sai uma rapariga, com ar abandonado, que se dirige ao público)
RAPARIGA
B´m dia a todos, ó p’sual! Que dia porreiro, caro senhor, a minha mãezinha prometeu que hoje nos levaria a todos ao circo, mas que dia para um piquenique não acha, foi isso mesmo que a mãezinha disse, “vamos ir indo a ver o grande lago, o super-homem, os monstros e os palhaços. Há três dias que está na cidade e só hoje a mãezinha disse que íamos ao circo. Estou a dizer-lhe que hoje vou ao circo, senhor! Está a ouvir-me? Não isso é que não está! Não ouviu sequer uma palavra! Bom, não faz mal. E mesmo que não lhe tenha agradado, estou-me nas tintas: não haverá espectáculo para você! E agora vou-me calar.
SR. VERDE
Desculpa menina, mas que ar miserável tu tens! O que estavas para aí a dizer? Estás perdida, pequena?
RAPARIGA
Mãezinha…socorro... Põe-te de joelhos e ora. Estás muito enganado a meu respeito!
SR. VERDE
Em nome de Deus, serás tu uma ladra? Queres o meu dinheiro? O meu relógio? Vais matar-me? Ou preferes conversar? Oh, pobre e infeliz pequena. Dar-te ei isso tudo, ou o que quiseres. O que disseste? Para mim é igual, pois o jogo é teu.
RAPARIGA
Tu! Tu aí Vamos, fala! És mudo? Diz-me, estou aqui ou não? Não podes ficar assim calado. Não me vejas dessa maneira! Não! Ouviste, ó pervertido? Não quer dizer não! Não! Não! Para onde estás a olhar? Vai dar uma volta. Isto não é um espectáculo! Malditos pestaninhas! Topo-os em todo o lado. Não nos dão um segundo de descanso. Tirem-me este cromo d’aqui, seja ele quem for! O que é que ele quer? Porque está a tirar as roupas? Vá, apalpa-me, seu cobarde! Malditos depravados!
SR. VERDE
Sim? O quê?
RAPARIGA
O que disse ele? Digam-lhe para fechar aquela cloaca, sim? Não falo com estes gimbros! E tu, seu taradinho mudo, fala!
SR. VERDE
Já vai, já vai!. Queres que fale acerca de quê? Adoro falar! Oh, Meus Deus! Não me mates ó pequenita estranha e esfomeada. Tenho ainda tanto para viver! Não quero morrer já! Tenho três filhos, uma mulher, um cão e uma data de sonhos por realizar. Já para não falar de três semanas de férias à minha espera. Bolas! Vou dar-te umas palmadas nesse rabo, sua putinha! Mas por favor não me mates! Toma, leva tudo. Toda a minha maldita vida. Vá, vá, pega em tudo, mas peço-te que não me magoes.
RAPARIGA
(sacando de uma faca de mato) Até metes dó, seu jumento gordo. Vejam só, a armar-se em duro! Mas agora até me darias as próprias calças, rastejando como um verme aos pés de uma rapariga de 15 anos com uma faca na mão.
(golpeia-o desajeitadamente)
O que é tão divertido? Caluda! Estou a ouvir-vos, aos vossos enfastiados risos de asnos! É absurdo, é? Parece-vos que preciso de uma razão para fazer isto?
(ri como uma possessa, desafiando o público. O Sr. Verde morre)
“Eu pensava, eu pensava”… o teu problema é que pensavas demais. Que pena!. Olha ó traste! Estás com um ar ridículo!
(vingativa)
Deves pensar que tenho pena de ti!. Vai-te foder! Desaparece da minha vista! Mas leva essa maldita boca calada.
(recua, dando conta do seu acto)
Oh, vejam o que eu fiz! Como foi possível? E esta coisa pastosa sujando o meu vestido todo! Não posso acreditar!
(Escuro)

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