Reflexões, notas, impressões, apontamentos, comentários, indicações, desabafos, interrogações, controvérsias, flatulências, curiosidades, citações, viagens, memórias, notícias, perdições, esboços, experimentações, pesquisas, excitações, silêncios.

sábado, 20 de janeiro de 2007

Cara ou Coroa?



Ao contrário do que acontece no sistema político português, o desenho dado pela constituição francesa ao poder executivo torna-o claramente bicéfalo (P.R./Primeiro-Ministro). Ou melhor, a dinâmica de poderes criada traduz-se num sistema de geometria variável, onde a primazia presidencial na condução do Executivo está condicionada ao apoio parlamentar. Isto é, à existência ou não de duas maiorias da mesma côr política.
Acaso fosse cidadão da pátria de Montaigne e Victor Hugo, teria sérias dificuldades na escolha do candidato à Presidência, nas eleições que se avizinham. Reduzidas definitivamente a uma corrida entre duas estrelas - Ségolène Royal e Nicolas Sarkozy - tais os sinais contraditórios ou convergentes das propostas e do perfil de ambos, ou as dificuldades na antevisão do que o seu desempenho iria ter no país e na UE. Porquê?
A primeira tem a seu favor o facto de assumir a sua condição de outsider em relação à classe política tradicional. De romper com os tabus dos socialistas, como a intangibilidade do welfare state, o jacobinismo e as jogadas de poder florentinas. No entanto, nota-se um certo populismo reconhecível no seu discurso. Na ânsia de captar simpatias, uma indefinição estratégica em relação à integração europeia e a uma política de defesa comum. O mal estar, a perda de influência, a redefinição do papel do Estado, os anacronismos vividos por uma das grandes nações da Europa, são temas aparentemente ausentes do seu programa.
O segundo, que finalmente viu o caminho desimpedido e sem concorrência na sua área de influência, tem inegáveis qualidades pessoais e políticas. Não é refém do politicamente correcto. Enquanto Ministro do Interior, tomou medidas corajosas, embora impopulares. Assume-se como candidato da ruptura, da inovação, das reformas ao nível da economia e do aparelho produtivo, de uma estratégia europeia para a França, expurgada definitivamente dos fantasmas gaulistas. Segundo deu a entender, rejeita a entrada da Turquia na U.E., em meu entender uma posição bastante sensata. Por outro lado, temo que uma retórica nacionalista apareça, à última da hora, durante a campanha. E que a ruptura com o calculismo e o isolacionismo da direita francesa seja simples táctica eleitoral.