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domingo, 21 de janeiro de 2007

Nem grego nem troiano

Foi penoso assistir ontem ao concerto de Sérgio Godinho no Teatro Municipal da Guarda. Precisamente graças ao apreço em que tenho a sua obra e o seu percurso. No palco do Grande Auditório, o compositor/intérprete limitou-se a apresentar uma espécie de karaoke de si próprio. Sem chama, sem rasgo, sem energia, mais parecendo o "avô cantigas" a recordar as suas musiquetas a uma assistência em grande parte desejosa que o acto "cívico" acabasse. "Lembram-se desta?" "E desta?" "Vá, tomem lá mais uma chalaça política para me verem a acreditar que ainda estou em forma"... Por falar nisso, a componente especificamente musical esteve sofrível. A cargo de uma banda constituída por jovens desconhecidos, que se limitou a instrumentar o alinhamento trazido pelo "chefe". O qual se mostrou previsível, banal - com a inclusão de alguns standards ao lado de temas menos inspirados. E deixando de fora muito do que melhor o autor fez, incluindo trabalhos recentes, como por exemplo "O Irmão do Meio". SG dispôs, mesmo assim, de uma oportunidade soberana para marcar a diferença: quando apresentou dois temas a solo, com a sua guitarra, poderia ter prolongado a prestação, forçando um registo mais intimista. Sem entrar na nostalgia, sem correrias pelo palco, sem arranjos duvidosos, mas recorrendo a uma liberdade criativa plena e despojada, ao poder de algumas das suas melhores canções. Seria o momento da epifania, a razão por que este concerto seria por todos recordado com emoção. Não o fez, e, desse modo, deitou tudo a perder.
SG tem um problema sério que, ao que tudo indica, é incapaz de resolver. Ele é o produto, em termos artísticos, de determinadas circunstâncias políticas contra as quais lutou e de outras que ajudou a criar. (Por falar nisso, ainda me recordo de ter participado numa das manifestações realizadas em frente à embaixada do Brasil, quando o cantor foi detido naquele país, em 1982). De há vinte anos para cá tem tentado outros caminhos, é sabido. Mas quanto mais se tenta demarcar da sua imagem de marca, da sua matriz criativa, mais para ela é reenviado. Como se tudo o que produziu depois de "Era Uma vez um Rapaz" adquirisse o sentido de um devaneio desculpável, mas medíocre. Outros músicos da sua geração e cúmplices das mesmas lutas souberam lidar com o desgaste e a usura do tempo de modo diferente. Criando um percurso original, reafirmando a sua singularidade, ampliando a força das suas propostas, mas nunca tentando passar por aquilo que não são. No caso de SG, o seu esforço para inovar tem resultados desastrosos, mais parecendo uma fuga para à frente. Todavia, conseguiu um feito espantoso: não agradar a gregos nem a troianos...

10 comentários:

  1. Fui ver o espectáculo e também fiquei um pouco decepcionado.

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  2. Caro António Godinho:

    É sempre com satisfação que leio os teus posts, cujos conteúdos, as mais das vezes, concordo. Não é este o caso. Gostei do concerto. O alinhamento foi inteligente ao ponto de saber dosear os temas antigos com os mais recentes, de equilibrar as forças entre as canções de teor mais melódico e intimista com as mais enérgicas e efusivas. Não julgo tratar-se de um intérprete acabado ou resignado à condição que granjeou nas últimas três décadas de carreira (demonstrou-o na apresentação que fez da sua biografia um dia antes no Café-Concerto). Onde tu viste um avô Cantigas decadente e insípido, eu vi um compositor (ainda) possuído por uma notável força interior, que sabe soltar-se, sabe gerir as expectativas e as emoções. O seu timbre de voz continua intocável e dizer que fez karaoke (mesmo em sentido figurado) é desprezar a sua arte e equipará-lo aos “artistas” pimba.

    Também me parece discutível o teu argumento de que os músicos acompanhantes eram “músicos desconhecidos”, como se fosse argumento para minorar a prestação e qualidade dos mesmos. Todos os músicos eram excelentes intérpretes e, ao contrário do que dizes, os arranjos musicais e a direcção musical de Nuno Rafael revelaram mestria e respeito pelas composições do SG. Espantou o carácter lúdico de alguns arranjos, os jogos rítmicos e instrumentais, as harmonias circenses e as combinações tímbricas improváveis. Aquilo que SG disse ou deixou de dizer no intervalo das canções pouco me importa (tal como pouco me importou as “boutades” do José Mário Branco). O que me interessava era a música, a poesia, a prestação. E nesse campo, SG surpreendeu (quanto a mim) com fulgor e, até diria, com distinção.

    Afinal, opiniões são opiniões...

    Um abraço.

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  3. Assisti ao concerto de Sérgio Godinho e assisti também ao de Jorge Palma. Este teve em abundância o que faltou aquele: magia e intensidade. Nesse ponto, concordo com o que se diz no post.

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  4. Caro Godinho, acho que é uma visão demasiado trágica de um concerto que correu bem, e de uma assistência que pediu três encores e aplaudiu de pé, sem favor. No meu caso, só por ouvir "É tão bom… uma amizade assim… (etc.)" já teria valido a pena.

    Currais

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  5. O facto é que anda aí gente a fazer música muitíssimo mais interessante e ninguém lhe liga nenhuma. As pessoas tendem a fixar-se em ícones inquestionáveis, alheando-se do resto. É mais fácil.Não vi o concerto, mas concordo completamente com o facto de o pico de criatividade de SG já ter acabado. Precisamente há 20 anos.

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  6. Godinho tens de ouvir "Os amigos do Gaspar" :)
    Para não dizeres tanto mal do teu homónimo!!!
    Já agora quem eram os que no concerto levavam gravata? Os gregos ou os troianos? :)

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  7. No programa "Trio de Ataque" SG tem uma prestação deplorável...

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  8. Adelaide:

    Ora sejas bem aparecida!
    Respondendo à tua questão, quem levava gravata, real ou metaforicamente, podiam ser uns ou outros, ou nenhuns. Mas isso é de somenos importância.
    Chamou-me mais a atenção a quantidade apreciável de carros de alta cilindrada no parque de estacionamento. Estas estatísticas de quem está atento à frente e ao verso sempre me divertiram...
    Em relação aos gregos e troianos, prefiro claramente os primeiros. Embora compreenda estes quando se renderam à beleza de Helena. No entanto, a minha predilecção vai para o cavalo. De Tróia, entenda-se...

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  9. aahahahahahahahahahah! ah!

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  10. Deixei de o ver no Trio de Ataque. Deve ter ido ao oráculo de delfos saber onde param a musas...

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