Ao acordar, foi imediatamente tomado por uma nostalgia impossível de reconhecer. Aos poucos, numa manobra de diversão, concentrou-se no dia que tinha pela frente. Para ele, a esperança começava a ser um bem escasso, intermitente. Um adiamento de si própria. Foi então que a névoa se começou a dissipar, lentamente. Ao primeiro raio de sol, o quadro apresentou-se aos seus olhos de tal forma que quase vacilou: o mar. Era o apelo do mar, o apelo de um local sem memória. O epílogo luminoso do desconhecimento de si mesmo. O cume onde tudo haveria de arder, numa festa pagã. As nuvens dissolveram-se completamente. Era o mar à sua espera, a memória fora da carne, a memória que nada sabe de si própria. Afinal, era tão simples: agora ele era o rio que iria percorrer o seu caminho natural. Nada mais. Mas agora não havia tempo a perder. Deixou alguns recados. Vendeu a colecção de miniaturas. Doou a biblioteca à escola local. Fez alguns telefonemas. Um deles para o local de trabalho, dizendo que ia de licença de parto. Pensaram que tinha enlouquecido. Por fim, compôs uma improvisada bagagem e fez-se ao caminho. Era o início da grande viagem. Sem partidas falsas. Aquela cuja conclusão é incerta, aquela cujo olhar inventa e nos inventa.
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Excelente! Sem dúvida o melhor CE de todos.
ResponderEliminarEsperemos que não seja o último
ResponderEliminarsofia:
ResponderEliminarO último, para além de exemplar, será perfeito.