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domingo, 16 de julho de 2006

Diário de um tolo - 4

Ontem fui, como em todos os sábados, fazer o rotineiro jogging até ao Parque Municipal. Estava já na fase das distensões, junto ao lago, quando me pareceu ouvir alguém a chorar. Num primeiro momento, pensei que a sugestão viesse do chilreio dos pássaros. Pouco depois, os soluços chegaram com uma clareza lapidar. Olhei para o lado de onde provinham. Num banco de madeira, a cerca de 30 metros, estava uma rapariga sentada no sentido contrário, encostada ao espaldar. Chorava convulsivamente. Os sons ecoavam pela copa das árvores, pelos muros de pedra, pela superfície das águas. E eu ali, num ritual atlético que de repente se tinha tornado patético. Após alguma hesitação, parei e ia dirigir-me para ela, sem saber sequer o que dizer. Felizmente, nesse preciso momento, parou de chorar. Não sei o que parou mais dentro dela. Fosse o que fosse, agora nada justificaria uma pergunta, um sinal. Por muito breves que fossem, tinham o significado de uma invasão. Continuei. Foi só quando cheguei a casa que os diques ruiram. É que o choro da rapariga tinha ressoado para além do mundo físico. Tinha-se tornado o espelho perfeito da minha vida: a incerteza e a solidão extremas à procura de um talento inconcebível que delas nasça e ascenda, como uma grande música. Ruiu tudo. Exactamente como as torres gémeas no 11 de Setembro. A dor é certa e não tem fundo. É uma tocha que arde silenciosa sobre as ruínas do passado.


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