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terça-feira, 16 de março de 2010

O Partido do senhor Silva e do tio Alberto (2)

- O cesáreo Jardim, como não podia deixar de ser, abrilhantou o Concílio com a sua majestática presença. Desta feita, conseguindo congregar na sua pessoa um inédito unanimismo piedoso, uma lacrimejante reverência, só devida, sejamos francos, aos "grandes do reino". Algo nunca visto. A explicação mais óbvia para esta genuflexão devocional colectiva (que, em grande medida, faz lembrar a célebre sequência da gorada execução do protagonista de "O Perfume", de Süskind) estará no peso dos delegados madeirenses, aquando da contagem final de espingardas. Também, é claro. Mas o que aconteceu foi outra coisa, incomparavelmente mais grave. Jardim comprou a tragédia que se abateu sobre a Madeira por dez reis de mel coado. Para vendê-la, a preços exorbitantes e em momentos cirúrgicos, a quem depende, politica e financeiramente. Jardim deu a conhecer neste Congresso a sua nova roupagem: embaixador plenipotenciário de uma catástrofe humanitária que utiliza para fins de branqueamento político, amealhando os dividendos que essa situação possa trazer. Uma velhacaria a que o PSD reunido em Mafra deu ampla cobertura, como se viu.
- Sobra a já célebre "lei da rolha", aprovada por proposta de Santana Lopes. A qual diz mais ou menos isto: qualquer militante que se atreva a criticar a direcção nos dois meses anteriores a um acto eleitoral terá um processo disciplinar à perna, que pode ir até à expulsão. A solução, que consagra um autêntico delito de opinião, é abominável, evidentemente. Mas já lá vamos. Antes, é preciso referir que o episódio foi imediatamente comentado pelo speaker socialista de serviço: Vitalino Canas. A melíflua personagem balbuciou algumas indignações de ordem apocalíptica, com uns sinistros trejeitos bocais pelo meio. O problema, nestes casos, são os telhados de vidro. Como se sabe, o debate e a crítica não abundam para os lados do Rato. O silêncio é devidamente policiado pela núcleo duro socratiano desde 2005. E toda a gente se recorda do tratamento que foi dado ao histórico Edmundo Pedro, quando colocou algumas dúvidas sobre a existência de pluralismo interno no PS, precisamente antes da reeleição de Sócrates como secretário-geral. De resto, leia-se o art. 94º dos estatutos do PS. Embora a letra da lei não seja a mesma, o resultado é idêntico. E sem os 6o dias. Como li algures na blogosfera, pelo menos desde que mataram a Rosa Luxemburgo, ninguém se lembra de ver um socialista criticar os seus dirigentes.
- Seja como for, ao aprovar esta alteração estatutária, o PSD perdeu qualquer autoridade política para manter na sua agenda a denúncia da "asfixia democrática". A questão da liberdade de informação e de expressão é demasiado séria para ser desbaratada por tão pouco. E "tão pouco" quer dizer que a proposta de SL se deve exclusivamente ao seu ajuste de contas com o passado. Aliás, a hidden agenda de Santana para este Congresso incluía certamente a terapia de grupo e o uso intensivo do role playing. Todavia, se as suas limitações óbvias ao nível da personalidade e o seu permanente auto-centramento são já dados adquiridos, não se compreende como proposta tão aberrante teve tamanho acolhimento entre os delegados. Como também não se compreende como a tímida discordância manifestada pelos candidatos não foi expressa de forma mais veemente e comprometida. A não ser, como alguns dizem, que o PSD já percebeu que o próximo líder, qualquer que ele seja, será uma solução transitória, incapaz de unir o partido. E desta forma se conformando com uma solução administrativa de carácter disciplinador, numa área onde a política é quem mais ordena. Ou devia.

PS: os esclarecimentos dados a posteriori por Santana Lopes, em defesa da alteração, valem por si.

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