Reflexões, notas, impressões, apontamentos, comentários, indicações, desabafos, interrogações, controvérsias, flatulências, curiosidades, citações, viagens, memórias, notícias, perdições, esboços, experimentações, pesquisas, excitações, silêncios.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Tábua de marés (42)


Sonho que vou morrer. É quase uma fatalidade, depois de tanta necrologia ambiente. Como se trata de um sonho, não faço o trajecto descansado. Para mim, para "nós", esse longo túnel de que muitos falam acabava em algum lugar da História - assim, com maiúsculas - algo que não me interessou demasiado. Se não houvesse em mim uma pretensão de distanciada elegância cortesã, poderia no entanto ser mais importante dizer que esse particular momento histórico "não me interessou um c......". Não perguntem sequer de que lugar ou de que século estou a falar. Não tenho a mais pequena ideia. Pelo contrário, sei muito bem que nada faria para além de assomar o nariz, pois o que cheirei não me agradou particularmente. Uma paisagem vazia e desolada, desprovida de encanto; sem árvores, animais, gente.
"É isto a morte?", perguntei a mim próprio no sonho. Helas! Prefiro esquecê-la como possibilidade de transcendência, continuar a acreditar na minha versão particular, definitivamente mais simples: fechas os olhos, deixas-te ir com suavidade e já não te inteiras de nada. Posso sentir como a minha alma se estende e relaxa da mesma maneira que o faz o meu corpo no final de uma sessão de yoga. Se o paraíso não é um lugar ilimitado, com todas as infinitas possibilidades da nossa fantasia, prefiro ficar como estou agora. Ao menos aqui posso estender-me num sofá qualquer para ver um filme de 1943, Criss Cross, onde Burt Lancaster mostra todos as suas qualidades, muitas das quais continuaram quase intactas até ao fim dos seus dias. Na obra aparece também o sempre ambíguo Tony Curtis, com os seus momentos de anjo perverso. E fá-lo como extra absoluto, sem sequer um crédito, dançando mambo latino com Ivonne de Carlo num suposto bar de Los Angeles. Se por essas coisas da canícula quero algo mais à la page, posso devorar essa iguaria feita com estranhos ingredientes que se chama Breaksfast on Pluto. Onde aparece Brian Ferry como sedutor sádico -bigode tipo "anchova" de vilão antiquado e com um imprevisível fio assassino entre as mãos - sabendo-se então a dimensão da "merda" por que passa um travestido irlandês algo boémio e que, logo ao nascer, foi logo rejeitado pelo pai, um charmoso pároco, e pela mãe, uma ruiva a que muitos acham parecida com Mitzi Gaynor, actriz deliciosa dos anos cinquenta e que agora quase ninguém recorda. Com menos tremendismo que em Jogo de lágrimas e um fundo quase constante de pegajosas canções da época, dirigiu-a o sempre resvaladiço Neil Jordan. Para terminar este post algo ecléctico, uma breve citação. Não está assinada por uma figura ilustre como Goethe, Duras, Deleuze ou Nietzche, mas por um médico italiano de cinquenta anos, Mario Melazzini, arquejado de uma enfermidade degenerativa irreversível. Li-a hoje enquanto tomava o pequeno-almoço e deixo-a para vós agora, como uma pequena e refrescante oferenda, neste último dia de verão:
"SER AUTÊNTICO SIMPLIFICA ENORMEMENTE A VIDA"

Sem comentários:

Enviar um comentário