A expressão é um factor de vida e de alívio. Em circunstâncias de medo ou de destruição da personalidade, a expressão é diminuída ao mínimo e adiada para um momento obscuro. Uma olhada pelas banquetas do mercado e há frutos de todo o lado, com as suas virtudes medicinais embora a velha medicina chinesa nos aconselhe a comer o que dá o lugar onde estamos e na época do ano que passa. Uma olhada por um resumo de notícias e convivem em fracções de segundo cadáveres de um acidente, com euforias eleitorais, com notícias financeiras e transferências de jogadores. Uma olhada pela política e é a mesma coisa: convivem as coisas todas num momento presente. Como noutros tempos aconteceu com outras palavras, a palavra «Democracia» serve para franquear estas formas de expressão todas. Um dia, quando examinarem os restos arqueológicos da Democracia, como hoje fazemos com a democracia ateniense, veremos todas as monstruosidades que a palavra branqueava. E será sem surpresas, porque tudo o que é antigo, é muitas vezes arcaico e rude. Está visto que a Democracia comporta um excesso de expressão, em que a ideologia da competição constante lá faz o seu caminho, gerando também uma certa composição. Nesta opressão dos sentidos é claro que é difícil convencer uma pessoa eufórica de que poderá, a seguir, cair na mais profunda das depressões. O espantoso destas eleições é que, quanto mais pequena participação tiverem, mais euforia geram pois quem não votou não tem expressão, e sobretudo no rescaldo das eleições. No fundo, as eleições geram um momento de competição para empregos interessantes e bem pagos, e tal ocupa tanto a nossa mente como um bom show de televisão ou um concurso. Sabemos que as situações mais deprimidas economicamente florescem em jogos e casinos. Portanto, as eleições e a Democracia-ladra poderão continuar por muito tempo, como o banditismo ou a pirataria. Mas o que é que me leva a chamar «ladra» à Democracia? A Democracia rouba as nossas esferas privadas e põe-nas à votação, põe-nas no mercado e na Bolsa. Quem não trabalha, não está. Em vez do movimento de rotação e de translação da terra, a Democracia quer gerar a sua própria cosmogonia, os seus solstícios e equinócios, o seu próprio calendário. Um dia se compreenderá que um Ditador como Saddam Hussein também tinha os seus direitos, como o de partir para o exílio. Que um Tirano é também culpa de um Povo, de uma História vivida conscientemente. Que, muitas vezes não é apenas um que oprime, mas muitos, ou que a opressão de um nasceu como reacção à opressão de muitos. Um dia se compreenderá que o verdadeiro significado de Liberdade permitirá o convívio e a tolerância de formas de existência política que se não medem, nem podem medir, pela mesma malha, onde o caduco e o sonhador, enterrarão a escravatura. Um dia compreenderemos que alguns fascistas que pereceram heroicamente e alguns anarquistas que caíram do mesmo modo, apesar de inimigos, contribuíram com a sua derrota muito mais para a nossa Paz do que pensamos. Compreenderemos porque é que milhões de pessoas abandonadas pelo desleixo de uns ou exploradas pela arrogância de outros, pegam em armas em nome de Deus e preferem morrer em pé do que viver de joelhos. E a virtude desta crise horrível, desta época de perseguição é a de nos obrigar, como Humanidade, a gerar forças espirituais, para construir um Mundo em que o Rei antigo destituído, ou um Príncipe assassinado, ou ainda o selvagem incapaz de vender o seu bosque ou o seu bairro sem pegar em armas, possam todos coexistir. Porque a Vida são as forças todas que resistem à Morte mesmo aquelas que se não expressam.
André
Sentimo-nos menos sós quando quando lemos quem escreve e pensa assim.
ResponderEliminarcm