Há que admitir que o 25 de Abril morreu e, com ele, a ideologia de Esquerda. Por outro lado, a ideologia de Direita serviu apenas de reacção à ideologia de Esquerda. Esta, a da Esquerda, tinha tomado a dianteira com a implantação da República e, provavelmente, já com a Revolução liberal de 1820. Os apelos à Liberdade deram alívio a muita coisa que oprimia a mente dos portugueses mas mostraram-se pouco produtivos em termos concretos. Do Império onde muitas pessoas foram humilhadas na sua dignidade humana básica e cultural, mas também dum Império que foi constituído por obrigação das potências europeias que queriam dividir um mundo onde Portugal estava há cinco séculos sobretudo para fugir das escravaturas da Europa, passou-se para os Fundos comunitários. O projecto português, portanto, foi passando de uma para outra muleta, cada vez mais incapaz. Razões que se perdem na noite dos tempos continuam, todavia, a obrigar-nos à nossa especificidade, muito mais profunda que a dos bascos ou catalães, dos bretões, os dos bósnios. Não é fácil nem viável dissolver Portugal. O reconhecimento da morte do 25 de Abril dispensa-nos igualmente de procurar saber se foi feito por pessoas mal-intencionadas, nomeadamente responsáveis pelas tragédias que constituíram as Guerras civis em várias ex-colónias. O que importa reconhecer é que uma Democracia directamente inspirada no 25 de Abril, quer dizer, uma Democracia baseada fundamentalmente na Ideologia de Esquerda ou de uma Direita que a segue, não é viável. A sociedade portuguesa mostra sinais de grande sofrimento e mesmo de dissolução. A Esquerda tem uma capacidade muito grande de manifestar este sofrimento mas não tem capacidade nem de lhe pôr fim nem de o prevenir. O Estado não faz a sociedade, não produz comida, não gere a família. A Direita é apenas a reacção para endireitar um desvio que se processa há muito tempo e não tem capacidade de endireitar algo que é profundamente torto, acabando por ganhar a forma desta tortura. As soluções extremistas, quer de Direita, quer de Esquerda, apenas aumentariam estes males, provocando, quando muito, uma reacção contra ambas que não se sabe como seria, mas que não seria certamente nem meiga, nem racional. Há que, portanto, ultrapassar a Direita e a Esquerda, nomeadamente limitando um universo de perspectivas em que só a Direita ou a Esquerda podem fornecer soluções. Não se trata esta de uma questão «técnica» de Ciência política, algo em que todos somos cientistas, desde que nascemos. A primeira solução é também a de limitar os efeitos concretos de votações ou eleições desestabilizadoras, nomeadamente começando por refrear e condicionar o fenómeno político. Uma solução que já provou – e durante vários séculos – é a de estabelecer uma Chefia de Estado que não seja elegível, como a de uma Monarquia. E outros órgãos de Estado não deverão ser tão-pouco elegíveis mas apenas mudarem de acordo com outros critérios, uns baseados na tradição, outros no consenso e outros na utilidade e no bom senso. A segunda solução é a de que, sendo certo que proclamar um Rei sobre a República não nos vai resolver problemas sociais profundos que aliás afligem o mundo inteiro, há que procurar uma nova ideologia política, pelo valor de ordenação que esta tem. A busca dessa nova ideologia política não se faz a somar e diminuir, nem a vamos consultar à bruxa, mas é um conjunto de ideais que implicam sacrifício e que se não realizarão facilmente como uma promessa que apenas falta cumprir. Essa ideologia política é necessária, precisará talvez de outras datas que esconjurem o fantasma do 25 de Abril e terá que voltar-se para a resolução urgente dos problemas concretos das pessoas concretas que nos rodeiam, de um modo muitas vezes experimental. O mérito desta etapa das nossas vidas será avaliado – como tantas vezes aconteceu – de um modo que ainda não sabemos.
André
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