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quinta-feira, 28 de maio de 2009

Elogio dos Homens de Boa-vontade

Recordei-me hoje de quem morreu há cerca de um ano. Do jornalista João Isidro, ex-MRPP, companheiro de Ribeiro Santos, o qual foi assassinado pela PIDE, em 1972. Andou no Liceu da Guarda e desenvolveu a sua vida em Lisboa. Teve cargos: foi jornalista do Expresso, foi dirigente do sindicato dos jornalistas, e neste último cargo conseguiu um direito que se estende também à Blogosfera, o direito de autor dos jornalistas. Era um homem apaixonado, lutador, foi preso pela PIDE logo no seu primeiro ano de estudante na Faculdade de Direito de Lisboa. Morreu de cancro, com pouco menos de sessenta anos, apesar de ser sempre jovem de espírito. E hoje, lembro-me dessa gente valorosa do MRPP, para quem inventaram umas teorias de que eram pagos pela CIA para boicotarem o processo revolucionário em curso. Se houve algo que lhes pagava, era o desejo de Justiça. Por lá, como por outros lugares, passaram oportunistas, manipuladores e muitos do MRPP foram certamente tratar da sua vidinha por caminhos mais espertos. Mas se Portugal não caiu num regime impossível, tipo Cuba ou a Venezuela de Chávez, onde seria imediatamente invadido pelas tropas espanholas, como ficou provado recentemente, ou por uma esquadra norte-americana, para não dizer que ficaria irreversivelmente separado dos Açores e da Madeira, foi graças a indivíduos como os do MRPP, que teimaram em acreditar que o seu desejo de Justiça não era igual às partilhas de Poder feitas pelos Grandes deste Mundo. E João Isidro bem o ilustra, na maneira como viveu. Ligado há muito tempo à Maçonaria, não foi por isso que se encheu de riquezas ou honrarias. Recusando a falta de ética que invadiu o moderno jornalismo, este jornalista profissional de tantos anos, acabou reduzido a escrever para uma Revista de Bombeiros. Tenho a certeza que Deus e a consciência dos Homens guardam um lugar de Paz, para esta gente, que se não satisfaz com a desolação e a cegueira do nosso egoísmo. E pergunto-me se está destinado aos Bons do Mundo a morrerem em dor e canseiras. Não sei, nada sei. Olho o céu e peço misericórdia. Deus é o único Vencedor.

André

4 comentários:

  1. vasco queiroz28 maio, 2009 20:06

    um reparo, a gente valorosa do MRPP defendia a ditadura do proletariado e revia-se nos exemplos da China Maoista e da Albânia de Enver Hoxa, elevava o culto da personalidade aos limites da divindade, condenava em absoluto qualquer veleidade artística fora dos canones do livrinho vermelho (o jazz e o rock por exemplo eram um sinal inequivoco de decadência)e não suportava minimamente que a alegria de viver passasse por frequentar discotecas ou festivais de música. Se isso era apenas tática para travar o avanço da esquerda que ameaçava tomar o poder então eu sou nazi.

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  2. Conheci várias pessoas do MRPP e, como digo no texto, havia muitas pessoas diferentes lá dentro. Como também digo no texto, não acredito que fossem táticos de uma estratégia qualquer anti-Cunhal, embora alguns o fizeram a certo ponto. Na sua origem, o MRPP correspondia a influências que se faziam sentir, nomeadamente de França e aquilo que alguns jovens ladravam, não significava que mordessem. Alguns tipos que foram do MRPP, foram indivíduos de uma grande dignidade humana, inclusive alguns que ainda hoje são do MRPP. Se o que eles ladraram lhe dá, a si, Vasco Queiroz, pretexto para se sentir nazi, meça os seus impulsos. A compreensão da realidade humana, «ver as pessoas com profundidade» não lhe dará nenhum rótulo politicamente útil, nem mesmo jornalisticamente, mas -- penso eu -- com o tempo aprendemos que a única forma de ver as coisas é vê-las com profundidade, para a qual a única atitude comportamental, quer queiramos ou não, é a da paciência.Até nos libertarmos dos soundbytes dos ismos, decorrerá ainda muito tempo.

    André

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  3. Meus caros:

    Acho que estão a confundir os métodos e a ideologia de uma organização com as pessoas que nela participam. O maoísmo é uma subespécie camponesa redentora, ao lado do comunismo proletário, inspirada num determinismo messiânico que degenera no terror, na barbárie e no culto psicótico da personalidade. O MRPP, tanto quanto sei, inspirou-se nessa ideologia e na experiência albanesa. Embora nascido antes do 25 de Abril, foi durante o PREC que se notabilizou pelo seu radicalismo e intransigência. Não creio que o seu papel tenha sido tão épico como o André quer fazer crer. Quem derrotou politicamente a deriva totalitária do PCP foi a esquerda moderada e, sobretudo, a acção de Mário Soares. O MRPP foi mais uma escola de acção do que uma força com representatividade social. Mais uma seita do que centro inspirador de liberdade. Mais um convento do que uma sala de teatro. Mais uma escola corânica do que um local de experimentação e de criatividade. Claro que por lá passaram pessoas eticamente irrepreensíveis, combativas e lutadores nos terrenos que a vida lhes ofereceu depois, corajosas, solidárias. De que João Isidro é um exemplo maior. Mas isso é uma outra questão, fruto de uma militância que, afinal, só foi útil para o sujeito e não para o objecto a que se destinava.

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  4. Gil,
    Encontro algumas virtudes no MRPP. Sobre a intransigência, houve talvez algo neles que foi intransigente, mas contra o pensamento dominante da época, embora reclamando-se de posições monolíticas, cujos representantes oficiais nem os apoiavam. A China apoiava o PC de P-ML do Eduíno Vilar que acabou empresário do conjunto «queijinhos frescos». A Albânia apoiava a UDP. O interessante sobre o MRPP é notar que, embora tivessem tido os seus mártires, um antes do 25-A,Ribeiro Santos e outro depois do 25-A, Alexandrino de Sousa, nunca mataram ninguém. E levaram, sabe Deus, muita porradinha.E não os repesco por um gosto tardio pelos caceteiros de Rio Maior, outros dos culpados do estado actual de Portugal. Quem impediu a loucura que começou no 11 de Março, foi a Direita, foi o Mário Soares, é certo, foi a conjuntura internacional e foi o próprio PCP que sabia que nunca os americanos deixariam no extremo ocidental da Europa instalar-se um regime afeito a Cuba, como há hoje, numa conjuntura bem diferente, três ou quatro na América Latina. Na realidade o PCP deixou a sua hegemonia exercer-se em Angola onde, aí, os americanos lhes ofereceram feroz resistência. A comprovar isso, é que se não vê ninguém do MRPP tomar posição a favor ou contra, no 11 de Março, ou no 25 de Novembro. Nessas datas, eles barricaram-se nas sedes e em casa,à espera de quem lhes viria bater, pois qualquer que fosse o vencedor, certamente que lhes viria bater, até porque eles não se calavam, nem deixariam de pintar paredes. E, depois, andavam a apanhar porrada, desde pouco antes do 25 de Abril, até depois do 25 de Abril. Acho, que o MRPP, foi um pólo de coragem,bem portuguesa, sentimental e apaixonada, como hoje falta.

    André

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