Dizem que numa aldeia da Normandia, antes do desembarque do dia D, havia uma prostituta que se passeava nas ruas desertas e batia às portas dizendo: “Eles vêm aí”. Não dizia mais nada, esta prostituta que certamente devia ter comido um bocadinho melhor quando foi com um oficial alemão, e que era desprezada por todos. Esta prostituta que, certamente, sem saber se sobreviveria aos bombardeamentos, e se sobrevisse, se aguentaria a purga da Resistência, ainda devia poder desfiar o rol de algumas recordações bonitas e sonhos (uma prostituta também tem sonhos) de infância.
E eles vieram. Os primeiros eram moços de 16 anos e tiveram 80% de baixas. Tiveram depois homenagens mas não estavam lá. Cá dentro, na Europa, todos os esperavam, até alguns soldados alemães, bons e valentes combatentes, fartos de Guerra, de Pátria, de Honra. Todos os esperavam e não os esperavam como os russos, porque aí, ia haver vingança. Na América havia um bocado de tudo, desconjuntado, mal posto, no fundo não havia nada de ser muito levado a sério. Havia Esperança.
Digo para mim mesmo, quando vejo essa velha que criou o neto negro filho de um amor passageiro, e que morreu antes deste dia D: eles vêm aí. Terá ela ouvido? Acredito que aquele mulato que chorou por ela em frente às câmaras, na sua fragilidade de rafeiro, de político e de órfão, lá avançou entre as palavras e pensou que “alguém gostou de mim, alguém achou que eu merecia existir”. E nesta secreta esperança de que algo vai mudar, de que há um lugar para mim e para ti na mão de Deus, recupero forças que já não pensava ter. Será verdade? Seremos capazes de aguentar? Talvez tenha valido a pena um país sem direito a existir, sem identidade verdadeira, sem pureza, sem certeza, um bónus de Espaço e História para um género humano tão incompetente, um país que repete os erros, talvez valha a pena.Só para que um espantalho humano numa aldeia deserta ao vento, esbraceje e diga ao céu: “Eles vêm aí”.
E, por eles, eu não irei para lá. Ficarei aqui, na rudeza, em nome dessa Esperança.
André
lindíssimo. parabéns!
ResponderEliminarMuito bom. Penso que muitos de nós sentem exactamente isto que tão bem descreve, neste momento.
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