Ana, de 14 anos, matou-se outro dia, caindo da ponte do Freixo, no Porto. Dizem que a encontraram ao fim de dois dias, entre duas pedras e que a reconheceram pela roupa e pela”roupa interior”. Isto depois de dizerem que o seu corpo já estava em adiantado estado de decomposição. Ana tinha 14 anos e deixou uma carta ao ex-namorado e outra aos amigos em que agradecia a amizade que tinham tido por ela.
Eu sei que o Porto é vertical como um penhasco e que anjos lutam todas as noites e caiem do topo da Torre dos Clérigos. Sei que, como os cães continuam a percorrer o mesmo caminho nocturno onde agora passam auto-estradas, assim, quantas mais pontes, mais as ilusões de voo e a vertigem quando o crepúsculo se suja. É curioso que a Torre em Lisboa, que alguém mandou vedar, não se chame “Torre de Santa Injusta” e penso que o bondoso oficial da Câmara que deu a ordem de a segurar tinha, certamente, um coração que chora.O meu coração sangra. Ana, morreste em vão? Quem se preocupou com o teu coração de adolescente, a tua “roupa interior” de adolescente? Agora vejo o teu cabelo, penteado pela corrente negra do Douro e lembro-me da frase do Evangelho: “não há uma pedra onde o filho do Homem possa descansar a cabeça”. Ana, não estarás cá para mais esse dia de Esperança, quando rebentarem os foguetes por elegerem um jovem frágil para Presidente do país mais poderoso da Terra. Haverá outros dias de esperança e outras esperanças goradas, mas tu já não estarás cá. O meu coração continuará a sangrar, talvez tenha um dia de alívio da dor, imaginando que as pessoazinhas descartáveis como tu, Aninhas, bombardeadas por filmes, por ritmos como comboios de alta velocidade sobre a cabeça, com jogos de computador, drogas e navalhas, tenham um dia, em vez de um universal caixote do lixo, um bocado de amor. Um bocado de atenção que se faça sentir como um prado verde iluminado pelo sol, como a erva do chão – humilde pois toda a gente a pisa, e orvalhada de lágrimas – se faz sentir sob os pés nus, os pés de Jesus, roto e nu, ressuscitado dos mortos...
Eu sei que o Porto é vertical como um penhasco e que anjos lutam todas as noites e caiem do topo da Torre dos Clérigos. Sei que, como os cães continuam a percorrer o mesmo caminho nocturno onde agora passam auto-estradas, assim, quantas mais pontes, mais as ilusões de voo e a vertigem quando o crepúsculo se suja. É curioso que a Torre em Lisboa, que alguém mandou vedar, não se chame “Torre de Santa Injusta” e penso que o bondoso oficial da Câmara que deu a ordem de a segurar tinha, certamente, um coração que chora.O meu coração sangra. Ana, morreste em vão? Quem se preocupou com o teu coração de adolescente, a tua “roupa interior” de adolescente? Agora vejo o teu cabelo, penteado pela corrente negra do Douro e lembro-me da frase do Evangelho: “não há uma pedra onde o filho do Homem possa descansar a cabeça”. Ana, não estarás cá para mais esse dia de Esperança, quando rebentarem os foguetes por elegerem um jovem frágil para Presidente do país mais poderoso da Terra. Haverá outros dias de esperança e outras esperanças goradas, mas tu já não estarás cá. O meu coração continuará a sangrar, talvez tenha um dia de alívio da dor, imaginando que as pessoazinhas descartáveis como tu, Aninhas, bombardeadas por filmes, por ritmos como comboios de alta velocidade sobre a cabeça, com jogos de computador, drogas e navalhas, tenham um dia, em vez de um universal caixote do lixo, um bocado de amor. Um bocado de atenção que se faça sentir como um prado verde iluminado pelo sol, como a erva do chão – humilde pois toda a gente a pisa, e orvalhada de lágrimas – se faz sentir sob os pés nus, os pés de Jesus, roto e nu, ressuscitado dos mortos...
André
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