A falência da Lehman Brothers e suas repercussões no crédito imobiliário e nas bolsas tem trazido à costa as habituais carpideiras do "fim do neoliberalismo" e da crise do capitalismo. São os eternos representantes da esquerda que nada quer aprender com a história nem com os monstros que gerou. É por isso estimulante ler o artigo de opinião de Pacheco Pereira no "Público" de sábado. Trata-se de um monumento à lucidez, justamente intitulado "O ataque ao 'neoliberalismo' e o 'bacalhau a pataco" e do qual transcrevo um excerto:
"Naturalmente, como muita gente acha, os "mercados" são maus e injustos, esquecendo-se de que são os mercados que estão a acabar com o Lehman Brothers e bem, (...) que a destruição provocada pelas crises é um mecanismo fundamental de crescimento e de inovação, da pujança do modelo económico do capitalismo. A "crise não é o sinal da crise do liberalismo, mas sim do seu normal funcionamento, em sociedades e economias que incorporam o risco e os custos como parte do seu funcionamento normal. (...) É nestas alturas de "crise do liberalismo" que eu me sinto mais liberal, que eu tenho mais aguda percepção de como na crítica socialista à "economia do casino" vai um preocupante pacote de restrição de liberdade para as pessoas e para as empresas, de fechamento do mundo, de paroquialismo e intervencionismo e, a prazo, muito maior mediocridade e pobreza remediada do que a queda do Lehman Brothers e dos seus parentes pode causar."
Gil,
ResponderEliminarNo meio de tantas palavras, Pachêco Pereira parece aqueles ricos que iam ver o espectáculo das cheias do Tejo, nos anos 40, onde morreram várias pessoas. A admiração dele pelo "mercado" é de um vendilhão. O "mercado" é feito por seres humanos, uns mais afortunados e outros menos. O valor soberano da igualdade, pelo qual aristocratas vikings, em número de trinta, nas Termópilas, derrotaram um exército persa, é algo de que P.Pereira ou se esqueceu, ou sempre ignorou (cada vez mais penso que os vira-casacas não são amnésicos, são siplesmente ignorantes). E é em nome dessa igualdade básica do Género Humano, como da igualdade budista de todas as formas de vida que nos vamos preparando para uma enorme catástrofe, feita e desejada pelos homens, sendo que, para alguns, a "mediocridade" nem sempre é uma vergonha: quantos homens extraordinários passaram por esta vida fazendo o Bem, sem que sequer nos lembremos dos seus nomes!
O velho Sartre, quase cego, perguntava-se qual era, em última análise, a razão para se dar de beber um copo de àgua a quem o pede
e concluíu: porque quem o pede tem sede.
André
André:
ResponderEliminarO JPP é um exemplo de sanidade mental, de produção de um pensamento próprio, num país onde ninguém pensa, ou então, quem o faz, é com ideias alheias, como bem intuiu Pessoa nas suas páginas sobre o provincianismo português, a propósito do escol. Por outro lado, só não muda de ideias quem nunca as teve. Não gostas do JPP? Paciência. Para mim, é uma referência incontornável, como agora se diz.
Abraço
Foi engraçado ver o Daniel qualquer coisa naquele programa onde também entra a Clara qualquer coisa. Segundo a sumidade, o capitalismo, essa coisa diabólica que não nos deixa viver, está a dar os últimos passos. Até já encomendou a missa do sétimo dia. Patéticos estes palhaços!
ResponderEliminarVamos lá a uma polemicazinha e a ver se eu aguento:
ResponderEliminar-Outro dia fiz uma Conferência na Academia Militar com o Pachêco Pereira -- Não vou dizer que sou amigo dele ou que o conheço muito bem. O país é pequeno e eu namorava com a irmã do sócio dele quando escreviam, só eles os dois e há "muito", suponho que o "Voz do Povo" da UDP.
Na conferência, ele disse as suas banalidades sobre "Guerra cibernética", disse até que, nisto de inovações técnicas, já os meninos gregos brincavam com uma máquina de vapor, etc. disse umas coisas contra o abuso da Internet e depois, entre duas chamadas de telemóvel, escapou-se.Tinha mais que fazer.
Apetece-me dizer-vos que a mais bem sucedida greve antes da Guerra Civil de Espanha foi feita por falangistas e anarquistas, ou que foi um anarquista que deixou fugir um dos ideólogos da Falange tendo-lhe este perguntado porquê e o anarquista dito que não esperava agradecimentos e que ele lhe esquecesse o nome e a cara. Morreu certamente combatendo contra franquistas ou contra comunistas. Apetece-me dizer-te que os fascistas austríacos se baterem até à Morte contra os nazis, antes e depois da Guerra e apetece-me dizer-te que seguindo o poema de José Régio, venho de um outro Mundo que não é capitalista nem comunista e que ambos matam e mataram gente demais.
Pois é: o dramático disto tudo é que ideias tens-las tu Gil, mas tens um Blogue e não te interropem no Blogue com telemóveis para ires aos teus múltiplos ítems da Agenda para seres um dia Presidente do Mundo.
Ideias, têm muitas os portugueses, desde o António Aleixo, ao falecido Alves dos "Cantos", etc.Burros nunca fomos. Mas ninguém disse que o diabo era burro. Com tantas ideias e tantas espertezas saloias, ficamos pobres, uns ricos graças ao mercado e outros pobres graças ao coração, mas todos pobres menos em esperteza.
O capitalismo não está a morrer, tem razão o Português Suave. Desses gatos-pingados que vivem dos funerais está o capitalismo cheio, como está cheio de intelectuais de café, de Marxs, de Lénines que diziam que o socialismo era igual ao capitalismo mais a luz elétrica e o poder dos sovietes, etc.
O que eu quero é pessoas que se importem (e se importem com as mãos)e com a humildade de quem sabe que esta vida é dura e cheia de lágrimas, mas que se importem com os outros, morram eles numa mina socialista da Sibéria, em Auschwitz, ou nas ruas miseráveis de países cheios de riquezas naturais em que se morre de fome e de doença, pela ganância de uns "espertos". Isso sim! Portugal pode não ter ideias mas tem gente, gente humana que não quero ver a rolar nas águas da cheia, só porque alguém diz que é belo, que é natural, que é melhor ou menos mau e ganha o "prime-time" na TV por falar bem.
Sim, pertenço a esse ressentimento antigo, do fundo da terra, arcaico, sofrido, sem outra esperança senão a quimera de Deus, sem outro escudo senão a pele dura por um ano inteiro de chuva e sombra só para ver uma manhã de sol onde cada pessoa e todas as pessoas sejam tratadas com ternura.Porque diz um ditado de Harlem: é duro nascer, é duro morrer. Vê se amas um pouco entretanto.
André
André, se todas as polémicas fossem assim tão consensuais, seria tudo muito mais fácil.Da mesma forma com que pousas um manto panteísta que faz brilhar mesmo as coisas mais sórdidas, também descobres um defeito ou um deslize naquilo que, para muitos, é um dado adquirido. Quando digo que em Portugal há pouca gente que realmente pensa, essa é a mais crua verdade. Se desdobrares os suplementos literários e de filosofia, as revistas culturais,grande parte da blogosfera, se encontrares uma gesto arejado já é muita sorte. Se leres entrevistas a notáveis do mundo literário e académico, o deserto é confrangedor. Se ligares a televisão, corres o risco de apanhar pensadores como Miguel Sousa Tavares ou Francisco José Viegas, os novos gatinhos de peluche do sistema. Em Espanha, por exemplo e pelo contrário, tens revistas esplêndidas como a "Arquipelago", tens entrevistas com verdadeiros pensadores, gente que não dorme em serviço, que agem como pensam, tens revistas especializadas sobre literatura, humanidades, actualidade cultural, política, que cá são uma miragem. Um bem estar ilusório e novo-rico tornou-nos preguiçosos, servis, indolentes, hedonistas e patéticos. Governados por incompetentes e orgiastas. Se pudesse, emigrava já amanhã. Palavra que não sei onde é que tu vês tantas maravilhas. Eu quando reconheço o que é diferente, para melhor, encaro a sua existência como uma preciosidade. Não tento apoucar a qualidade e o esforço intelectual honesto, só porque a inveja é uma instituição nacional. E isto tem a ver com o JPP, claro que tem. Mas abarca um horizonte muito mais vasto. O ressentimento de que falas talvez fosse melhor livrares-te dele, pois prejudica a lucidez e o entendimento. A não ser que o consideres uma qualidade colectiva, de que tu és um mensageiro. Seja como fôr, essa contabilidade faz-me confusão.
ResponderEliminarCumprimentos
Gil,
ResponderEliminarComo vês o manto também faz brilhar as pontas duma polémica mais vasta. Primeiro, o ressentimento: não o nego, acho que quem se ufanou de fabricar o paraíso, é porque não ama o suficiente. Dor de fora vem de dor de dentro e dor de dentro vem da condição humana que deve ser vista sem mentira. Só a Verdade, ou a busca dela, nos pode dar Esperança e a verdade, começa por ser feia, muito feia, horrível mesmo. Amar significa não ser desta Fealdade, descentrar-se de si mesmo, descentrar-se dessa dor original e inevitável, assobiar ante o pelotão de fuzilamento, sorrir para ao lado, ao ver os testes que assinalam cancro. É não-ser, o que é amar.E deixar de ser e, nisto budismo e cristianismo se encontram. O meu ressentimento arcaico vem da revolta contra o Mal.
E não vejo só Mal em Portugal. O que tu dizes de Portugal não tem polémica. Concordo e subscrevo. O Portugal da Democracia foi talvez o maior fracasso histórico de Portugal,se não mesmo um suicídio. Não os capitães de Abril que, no seu conjunto eram bons homens mas quem idealizou o 25 de Abril, até tenho medo do que a História dirá deles, finalmente.
Mas o que tu dizes implica acção política, coragem em salvar o que ainda há a salvar. O Portugal de Antero, o Portugal de Aljubarrota, o Portugal do Cerco de Lisboa, o Portugal da resistência aos franceses e até o Portugal da gente boa Liberal, mas também da gente honrada de D. Miguel, o Portugal de Camões, de Pedro Nunes, de Garcia de Horta, de Damião de Góis, de Francisco Sanches, o Portugal do duro, bom e tenaz Santo António, de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, de Mouzinho de Albuquerque e de Humberto Delgado, de Zé do Tilhado,e de Fernando Pessoa, esse Portugal luz na sombra para quem já teve a espertina do que "agora que escureceu e tudo ficou tão claro".
Sim, é preciso ultrapassar-nos, é preciso esquecermo-nos já, nesta terça-feira negra das Bolsas em que, para os próximos dez anos, aqueles que só têm a honra e o Amor, se devem preparar para ter menos de nada.
Sim, até um Portugal dominado por Espanha, uma ilha apenas no arquipélago castelhano, porque foi dos mendigos de 1580, que descenderam os arriscados de 1640.
Lembra-te de D. Francisco Manuel de Melo que serviu a Coroa dos Filipes contra os catalães mas quando Portugal se revoltou e lhe ofereceram um cargo importante em Madrid, se juntou aos da sua Pátria, passando muitos anos na cadeia.
Gil, a honra é como o nosso nome. Não o escolhemos mas é com ele que nos chamamos, mesmo na mais cruel das desolações.E, pelo nosso nome, seremos talvez chamados ao Juízo Final.
Eis a minha contabilidade: ao zero, somo o Universo.
André
André:
ResponderEliminarÉ difícil não subscrever grande parte do teu comentário. Sobretudo porque o essencial do que afirmas já por muitas vezes o senti nesses precisos termos. Logo direi mais qualquer coisa.