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domingo, 31 de agosto de 2008

Verão quente

Ainda em período de férias, fui apanhado pelo mais recente "caso" na Oppidana: a crónica de Madalena Ferreira, jornalista e correspondente na Guarda da SIC, no jornal "Terras da Beira". O visado pelo artigo é alegadamente o jornalista Rui Isidro, director da Rádio Altitude. Acusado pela autora, embora sem o nomear, de ser o autor dos discursos de alguns políticos locais. A identificação do visado foi, tanto quanto sei, estabelecida publicamente por Américo Rodrigues, no seu blogue "Café Mondego". Não sem antes informar do facto quer o visado quer a autora do artigo. Entretanto, li na íntegra o artigo em causa. Ora, para que conste, dá-se o caso de conhecer pessoalmente os dois jornalistas em causa. Com quem mantenho um relacionamento cordial. Todavia, esse facto em nada interfere com o comentário que se segue.
1. Em primeiro lugar, repare-se que Rui Isidro não desmente a imputação da autoria dos discursos, após ter tido conhecimento antecipado da sua divulgação . O que significa que ele reconhece, implicitamente, manter uma colaboração desse tipo com figuras públicas locais. A confirmar-se tal facto, devo dizer que não é caso único. É comum verem-se jornalistas atarefados a cuidar da imagem dos políticos, individualmente ou em empresas cuja actividade é a prestação de serviços na área do marketing político. Ou seja, os famigerados spin doctors. Não me custa acreditar que as intervenções públicas de figuras políticas nacionais sejam, no mínimo, objecto de uma vistoria antecipada por esses profissionais.
2. O actual Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de janeiro, alterada pela Lei 64/97, de 6 de Novembro, não contempla, acertadamente, a criação de discursos para políticos. Desde logo, o art. 3º, nº 2, considera actividade publicitária, incompatível com o exercício do jornalismo, "a participação em iniciativas que visem divulgar produtos, serviços ou entidades através da notoriedade pessoal ou institucional do jornalista, quando aquelas não sejam determinadas por critérios exclusivamente editoriais". O que está longe de enquadrar primores retóricos de encomenda. Como diz Américo Rodrigues, a matéria deveria ser objecto de auto-regulação. Afastada porém a questão legal, é fundamental lembrar que os políticos deveriam ouvir muito mais do que ouvem. E tomar como conselheiros os mais competentes, os mais sensatos, os mais criativos. E não somente os mais ambiciosos ou os demagogos. E se optassem por recorrer a alguém para redigir os seus discursos, deveriam fazê-lo preferencialmente com loucos, visionários e poetas.
3. Não é de todo descabido que Madalena Ferreira tenha levantado a questão da promiscuidade entre os jornalistas e os políticos. Mas decerto a jornalista não ignora que essas relações sempre existiram e continuarão a existir. E que certamente já terá tirado partido delas. São por demais conhecidos os expedientes usados por muitos jornalistas, para obterem informação privilegiada junto dos políticos e de como estes se fazem pagar por esses favores. O que é lamentável é que Madalena Ferreira se tenha referido ao problema particularizando-o, "denunciando" uma situação que sabe ser generalizada, embora não seja isso que a torne desculpável. Porém, creio que inebriada pelo ressentimento e motivada pela hubris ao serviço de uma vendeta exclusivamente pessoal. Certos termos em que a autora se parece referir ao presuntivo visado, Rui Isidro, são particularmente repugnantes. Todavia, enquanto cidadão e enquanto guardense, interessa-me muito menos a vida privada dos envolvidos do que o seu desempenho profissional, num domínio chave: a comunicação social. E nesse ponto, é de aplaudir o excelente trabalho demonstrado recentemente por ambos.
4. Não tanto pelo post de A.R., mas pela maioria dos comentários que se lhe seguem, quer-me parecer que há muita gente disposta a constituir uma milícia popular, pronta a aplicar ad hoc a célebre lei de Murphy. Ou seja, linchar publicamente a autora do artigo em causa. Estas exaltaçoes justicialistas são sempre perigosas. Sobretudo porque, a coberto do desagravo, da indignação e do apelo ao ressarciamento, surgem apreciações inaceitáveis sobre o carácter, a honorabilidade, as motivações ou o desempenho profissional da "condenada". Este princípio vale independentemente da maior ou menor razão que assiste a Rui Isidro. Ou do grau de reprovação pública que a crónica de Madalena Ferreira possa merecer. E sendo Rui Isidro o objecto do ataque da cronista, terá justos motivos para se sentir ofendido. Repare-se que coloco esta relação no plano de uma presunção, ainda que ilidível. Não tanto por duvidar do que afirma Américo, Rodrigues, mas por ter que admitir que possa haver mais jornalistas na Guarda que escrevam os discursos dos políticos.
5. É claro que não desconheço a ambiguidade que esta minha posição pode assumir, ao ser confundida com um excesso de zelo, tão conveniente quanto naif. Mas prefiro correr esse risco a deixar-me levar por entusiasmos e juízos precipitados.

ADENDA (10.9.08): Sobre o assunto, em condições normais, nada mais teria a acrescentar. Todavia, na sua crónica de 04.10 no jornal "O Interior", António Ferreira comenta este tema. A certa altura, referindo-se a este texto, afirma que aqui revelo "que o político visado é mesmo um autarca, e da Guarda, tratando-se do próprio presidente da Câmara" (sic)! Não sei que texto leu A. Ferreira, mas não foi seguramente este, nem nenhum outro que eu tenha escrito. A conclusão é pois unicamente sua, fazendo-a passar por autoria alheia. O que, quero acreditar, tenha resultado de uma mera desatenção. Entretanto, uma semana depois, António Ferreira fez publicar, no seu espaço de opinião do mesmo jornal, uma explicação acerca do seu equívoco. O que, pela minha parte, encerra a questão em causa. Sobre a polémica de fundo, creio que está tudo dito.

5 comentários:

  1. Completamente de acordo. Mas esqueceu-se de ler a segunda parte do post de Américo Rodrigues:

    " É condenável que um cronista use um "espaço sagrado de liberdade" para fazer acertos de contas pessoais, através de insinuações. Madalena usou o jornal para atacar Rui Isidro, porque tem contas antigas a resolver. Ou seja, abusou da confiança que o jornal depositou nela; a crónica é para dar opiniões, não é para exprimir ódios incontidos. Como jornalista que é, penso que Madalena tinha a "obrigação" de fornecer aos leitores a mínima informação que documentasse a grave acusação que faz. Finalmente, usando uma linguagem cifrada (só alguns dos leitores do TB saberão de quem é que Madalena falava), está a usar o jornal para desígnios privados e estratégias particulares.
    Mas entremos agora naquilo que é irremediavelmente grave na crónica de Madalena Ferreira. Foi isso que me obrigou a escrever. A cronista termina o artigo, do alto da sua suposta superioridade moral e ética, a dizer que o jornalista que presumivelmente anda para aí a escrever discursos dos políticos, há-de um dia... matar-se. Saber-se-á: "Matou-se!!!". Assim! Ora, como sabemos, ela refere-se a Rui Isidro que, precisamente, se viu há dias confrontado com a morte do pai, por suicídio! Madalena, com uma crueldade sem limites, na semana seguinte à morte do pai de Isidro, declara que este há-de seguir o mesmo caminho. Madalena antevê a morte de Isidro! Qual metáfora qual carapuça!!! A morte de "matou-se!". Madalena não desconhece o que aconteceu ao pai de Isidro (pensou muito no artigo), não. Usa esse acontecimento trágico para dar a estocada final no opositor, que ela julga fragilizado, sem reacção, de rastos. Madalena, através deste jogo doentio, vinga-se de Isidro. Sem dó nem piedade. No pior momento. Isidro é "morto" à queima roupa naquela peça, pela justiceira Madalena.
    Jamais eu abriria o bico, não fosse a violência e perversidade do parágrafo final. Não, não vale tudo, não pode valer tudo. Anunciar a "morte" de um antigo amigo (que recentemente perdeu o pai) é uma atitude (e longe de mim, querer fazer qualquer juízo psicanalítico) condenável. Não poderia ficar calado. Como me disse hoje um amigo (com o qual às vezes estou de acordo): "o sofrimento dos outros deve ser respeitado!".

    PS- Houve quem me dissesse que, escrevendo este texto, eu estaria a chamar a atenção para a identificação do visado e que isso seria contraproducente. Deixemo-nos de falsas questões: autora, visado e um círculo restrito de pessoas sabe que o alvo é Rui Isidro. Portanto, preferi falar claro a ficar calado.
    PS2-"Talvez tenha sido tudo uma coincidência e, afinal, a Madalena, não se refira à morte do pai do visado", disseram-me outros. Não acredito nisso, pois Madalena tinha a obrigação de, em qualquer circunstância, evitar qualquer equívoco. Título e parágrafo final mostram que a intenção foi atacar como se estivesse em "guerra" (mas mesmo aí há normas de conduta). Por que escreveu agora e não noutra altura? Por que fala de morte para condenar um comportamento?
    PS3- "Não passa de uma peça de mau gosto!", dizem-me outros. Sim, de muito mau gosto, cheia de ressentimento e desejo de vingança.
    PS4- Resta a Madalena pedir desculpas ao visado e aos leitores. Será capaz da nobreza desse gesto? "

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  2. Estou de acordo com o comentário acima. A. Godinho esqueceu-se da 2ª parte do post de A. Rodrigues: nem uma menção quer ao mau gosto do título, quer ao parágrafo final, no qual a cronista M. Ferreira efectivamente vaticina - qual vidente iluminada (!) - a morte de Rui Isidro por suicídio! Não lhe parece, A. Godinho, que a esfera da intimidade de cada um deve ser respeitada? Em toda esta história - que verdadeiramente já cheira mal - Rui Isidro não tem que se pronunciar. Respeitou a vontade e a liberdade de expressão de A. Rodrigues, que fez aquela leitura como poderia ter sido outra. A. Rodrigues esclareceu que ambos os visados sabiam da sua intenção em publicar o texto, mas desconheciam o seu teor. Cada um faz as leituras que lhe aprouver e o nosso amigo R. Isidro não desmentiu ninguém; como também não confirmou nada. O silêncio aqui, não representa a “aceitação da culpa”; se bem o conheço, R. Isidro denota desprezo para com o texto e as opiniões de M. Ferreira. Já tive oportunidade de lhe manifestar pessoalmente a minha solidariedade. Sei que tem força para ultrapassar as adversidades da vida. O "disse que disse" não passa de um fait-divers e passa-lhe completamente ao lado. A. Godinho é de facto ambíguo no seu post...nem sim, nem não, mas talvez...quem sabe? Porquê?

    António José Andrade (alerto para o facto de esta mensagem ter que ser anónima pois não estou registado como blogger)

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  3. Relativamente aos comentários que antecedem, que agradeço,não deixarei de dizer o seguinte:

    1º as palavras utilizadas pela cronista no exemplo citado - "há-de matar-se" já mereceram abundante e justa reprovação no texto de A.R. e nos comentários que se lhe seguiram.
    2º estar a repetir o óbvio é um exercício inútil e para o qual não tenho vocação. Não é pela veemência de uma condenação, ou pela sua redundância, que a indignação natural não deixará de se exprimir. Por vezes até, quanto mais implícita, mais pujante.
    3º O que significa que não me "esqueci" de coisa nenhuma, como afirmam os comentadores, sendo que o assunto já é suficientemente penoso para o visado para o esmiuçar ainda mais.
    4º Pouco ou nada me interessa, como referi, a vida privada dos envolvidos. Interessa-me sobretudo debater práticas deontológicas e não pessoais. Ou se a Guarda está bem servida de profissionais do sector. O que significa que, mesmo não sendo esse o meu caminho, haverá gente muito melhor informada sobre a querela entre ambos e sobre a qual falará com efectivo conhecimento de causa.
    5º Por muito que isso custe a alguns, a realidade não é a preto e branco.
    6º é completamente descabido interpretar o meu texto como sugerindo uma "aceitação de culpa", a propósito do silêncio de Rui Isidro: repare-se que coloco sempre no condicional a sua identificação como objecto do artigo; depois, como demonstrei, escrever discursos para políticos não é ilegal, nem é prática isolada, havendo até empresas com jornalistas nos seus quadros que o fazem abertamente. Poderá e deverá é ser objecto de uma regulação interna, no âmbito deontológico; por último, concordo com a opinião de que RI não tinha que se pronunciar perante a informação prévia de AR. Mas o seu silêncio só pode significar que se conformou com a interpretação publica de que realmente faz discursos para políticos locais.Facto que, repito, até abona em favor dos tais políticos, atendendo à qualidade da escrita de RI.
    7º O que é grave neste assunto é a crónica de Madalena Ferreira. Mas tal não impede que se discuta, em tese geral, o tema da promiscuidade entre políticos e jornalistas, ou os limites da liberdade de expressão. Tudo o resto, delego nos especialistas.

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  4. Finalmente alguém que fala do assunto de uma maneira civilizada.
    Parabéns!

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  5. Fugas de informação ou fugas à informação?

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