Há uns meses atrás, durante uma curta estadia na capital, fui apanhado por um daqueles telefonemas invulgarmente generosos que todos conhecem: "olhe, temos aqui uma semana no hotel x à sua espera. Basta vir levantar o voucher que podemos desde já passar em seu nome. A que horas poderá então passar no local y (geralmente hotéis tão anódinos quanto discretos)? E pronto, seis horas mais tarde lá estava eu, passante no dito local, aos saltinhos de alegria pela semana que me esperava num dos magníficos hotéis da cadeia y2. "Algarve, Madeira, dove dove, ma che cosa..." Meditações genuinamente metafísicas, enquanto pulava, com o mesmo ar de contentamento da Julie Andrews, quando esta debitava, nas montanhas do Tirol, aquelas cançonetas do "Música no Coração" que todos conhecem. Pois bem, após os ziguezagues habituais, lá cheguei a um salão onde foram dispostas várias secretárias, afim de os presenteados serem devidamente "esclarecidos" acerca da "oferta". Numa delas, esperava-me uma menina com pronúncia alentejana. Ao longo da entrevista vim a saber que era licenciada em psicologia e tinha um anel em fimo que já me estava a enervar. Basicamente, como devem estar a imaginar, tratava-se de um cavalo de Tróia comercial. Atrás do engodo da "oferta", havia a inscrição no clube de férias x, a inscrição no "parceiro" ACP e outras pérolas. De realçar, o esforço da rapariga em mostrar-me o catálogo com as "vantagens" da adesão: praias com palmeiras e mar turquesa, comme il faut, estâncias de montanha onde só faltava aparecer o James Bond, resorts turísticos em ilhas com nome impronunciável no Índico. Naturalmente, não mostrei qualquer interesse, a não ser por um hotel na Patagónia. Perante a minha falta de entusiasmo, lá me ia repetindo as vantagens de ser sócio do ACP e que havia "pacotes" para várias bolsas. Como estava numa de provocar a pobre rapariga, perguntei-lhe se também havia "pacotes" para gays, ou se podia levar o gato. O desespero dela já começava a ser evidente. Foi nessa altura que me resolveu contar alguns pormenores da sua vida pessoal. Para além da licenciatura referida, era de Serpa. "De Serpa?" E eu que pensava, até agora, que o melhor que lá havia era a tasca do Zé Lebrinha!", atirei eu. Percebi de imediato, num lampejo, que até nem desgostou da bazófia. Mas fez de conta que não existiu. Voltando logo à carga. Com novos folhetos, lugares de sonho, etc. Resolvi então por as cartas na mesa. Disse-lhe que compreendia o papel dela, mas não a valia a pena insistir. Por várias razões: 1º não sou do tipo de fazer férias convencionais, num hotel, etc. 2º gosto da errância e da descoberta, aproximando-me, nesse ponto, dos viajantes. 3º o meu modelo de férias tanto podia ser percorrer o caminho francês até Santiago de Compostela, como ir acampar para as ilhas Ciés, ao largo de Vigo, ou ir a uma capital europeia num vôo barato assistir a um espectáculo, fora da chamada época alta. Portanto, mais valia ficarmos por ali, pois não era, de todo, o cliente certo. E pronto, desta forma airosa e desconcertante me livrei do que se poderia ter tornado um pesadelo...
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