Esta obra, relativamente pouco conhecida de Fellini, encerra alguns dos momentos cinematográficos mais intensos que alguma vez experimentei. Reporto-me, por exemplo, à uma cena perto do final, onde o intrujão, vestido de cardeal, é chamado para abençoar a filha deficiente dos camponeses que estaram a ser vigarizados. Progressivamente, a presença angelical da rapariga acaba por impor-se. Perante o seu testemunho de fé e um despojamento tão pungente, tão arrebatador, tão luminoso, o outro apaga-se, envergonhado. Escondendo-se atrás de um discurso vazio, balbuciando desculpas, tentando deixar incólume o que lhe restava da consciência, preparando já a ruptura final. O filme, realizado um ano antes do mítico "La Strada", sinaliza a sua passagem pelo neo-realismo. A este propósito, escreveu Manuel Cintra Ferreira:
PARA FELLINI o neo-realismo foi uma etapa que lhe permitiu, a pouco e pouco, encontrar-se consigo próprio, fazendo emergir uma personalidade original e controversa, a que ninguém ficou indiferente, quer goste ou não dos seus filmes. E essa prática foi levada a cabo principalmente pela escrita, na colaboração de vários argumentos, depois de Roberto Rossellini o ter convidado para colaborar num documentário sobre o fuzilamento do padre D. Morosini pelos fascistas. O documentário passaria a filme de ficção e tornar-se-ia o estandarte do movimento que nascia: Roma, Cidade Aberta (1945). O jovem caricaturista e jornalista, cujos contactos com o cinema se tinham limitado à criação de «gags» para um cómico popular, Macário, deixava, assim, o seu nome ligado à aparição do neo-realismo, o que talvez seja a raiz dos equívocos.Fellini, até ao fim da década de 40(no fim de contas a grande fase do movimento) vai continuar na mesma via, mas com algumas resistências (o referido Il Miracolo), assinando, em colaboração com outros argumentistas, alguns dos filmes mais famosos do neo-realismo e do cinema italiano daquele tempo. Colabora com Rossellini em Libertação (filme em 6 episódios sobre a libertação de Itália), L' Amore, São Francisco, o Santo dos Pobrezinhos e Europa 51. Os dois últimos são particularmente importantes porque muito do Fellini dos anos 50 se encontra ali já de corpo inteiro (a parábola cristã, a redenção pela fé e a sua manifestação suprema, o milagre, temas que percorrem A Estrada, As Noites de Cabíria e O Conto do Vigário). (À espera dos palhaços, revista do Expresso, Novembro de 1990)
PARA FELLINI o neo-realismo foi uma etapa que lhe permitiu, a pouco e pouco, encontrar-se consigo próprio, fazendo emergir uma personalidade original e controversa, a que ninguém ficou indiferente, quer goste ou não dos seus filmes. E essa prática foi levada a cabo principalmente pela escrita, na colaboração de vários argumentos, depois de Roberto Rossellini o ter convidado para colaborar num documentário sobre o fuzilamento do padre D. Morosini pelos fascistas. O documentário passaria a filme de ficção e tornar-se-ia o estandarte do movimento que nascia: Roma, Cidade Aberta (1945). O jovem caricaturista e jornalista, cujos contactos com o cinema se tinham limitado à criação de «gags» para um cómico popular, Macário, deixava, assim, o seu nome ligado à aparição do neo-realismo, o que talvez seja a raiz dos equívocos.Fellini, até ao fim da década de 40(no fim de contas a grande fase do movimento) vai continuar na mesma via, mas com algumas resistências (o referido Il Miracolo), assinando, em colaboração com outros argumentistas, alguns dos filmes mais famosos do neo-realismo e do cinema italiano daquele tempo. Colabora com Rossellini em Libertação (filme em 6 episódios sobre a libertação de Itália), L' Amore, São Francisco, o Santo dos Pobrezinhos e Europa 51. Os dois últimos são particularmente importantes porque muito do Fellini dos anos 50 se encontra ali já de corpo inteiro (a parábola cristã, a redenção pela fé e a sua manifestação suprema, o milagre, temas que percorrem A Estrada, As Noites de Cabíria e O Conto do Vigário). (À espera dos palhaços, revista do Expresso, Novembro de 1990)
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