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sexta-feira, 28 de março de 2008

Reflexões sobre política cultural (1)

Detectores de ruído ultra-sensíveis tem tentado captar, em vão, o mais ténue sinal de vida por parte do novo Ministro da Cultura, António Pinto Ribeiro. Os ponteiros continuam a zero, quer na Av. da República, quer para as bandas do Palácio da Ajuda! Será que foi raptado pela Alcaida? (é mesmo assim que se escreve, segundo apurei no "Livro de Estilo") Será que foi para retiro espiritual? Frequentará umas sessões de brainstorming, promovidas por Jack Lang? Certo certo é que ninguém mais o ouviu, desde a tomada de posse, quando declarou que queria "fazer mais e melhor, com menos meios". Um sacramental sound byte que já aqui comentei. Tal como Augusto M. Seabra, temo que aquele venha a ser mais um gestor de clientelas. Mas enquanto o país permanece na incerteza acerca da estratégia do Ministro, aqui vão algumas achas para a fogueira.
O modelo francês de acção cultural oficial tem sido aquele que mais fortemente inspirou o que se tem feito em Portugal nessa matéria. Na origem do conceito de cultura que informa essas políticas está a concepção alemã de Kultur, identitária, radicalmente subjectiva e romântica. E também o conceito anglo-saxónico, que a toma como um conjunto de artifícios, mediante os quais se organiza a sociedade e se protege de uma natureza hostil. Dessa soma desapareceram, na versão francesa, as referências a uma natureza humana, com a qual a cultura se deveria identificar e de que seria resultado. E também essa ideia de conflito de representações entre as várias sociedades, ou no seu interior. Pelo contrário, não só a paisagem urbana, como também a própria natureza, foram apagadas debaixo do rótulo omnívoro de "cultura". Estes modelos buscam não só diferentes tipos de público, como remetem para valores e entendimentos diferentes no que se refere à batalha em defesa do humanismo. Quanto à primeira questão, a Kultur "à francesa" (Malraux e Jack Lang) optou por fabricá-lo, simplesmente. Criando um público pré-fabricado e, no fundo, apático. O processo começa por a administração cultural decidir, em abstracto, quais as necessidades. Em seguida, dar-lhes resposta, em forma de livros, filmes e exposições. O essencial não é a qualidade, ou o interesse, mas a etiqueta. Este procedimento nasceu com a necessidade de difundir uma cultura orientada para opor ao fluxo americano, na vertente cultural e de mercado. Sobretudo no cinema, o tema tornou-se obsessivo e originou erros enormes. Abstracta e estéril, a cultura "da política cultural" é a máscara insinuante do poder e o espelho onde ele se revê. Em alternativa a este panorama, que premeia uma presumível mediocridade, qualquer política cultural deveria ter em conta, também, a procura do público que realmente ama a cultura e se interessa por ela, sem lhe impor nada, nem empenhar-se em convocar quem não quer ser convocado. Deveria igualmente respeitar e manter nas melhores condições as bibliotecas, os arquivos e, na medida do possível, os museus. Deveria facilitar as iniciativas de grupos culturais afins, sem pôr em causa a sua independência, embora favorecendo a sua institucionalização e fomentando a divulgação de qualidade. Em suma, saber conservar com rigor e facilitar, por todos os meios, o acesso ao património cultural da nação e à sua história. Passando, necessariamente, pelo reforço do estudo das Humanidades e criação de um standard cultural nacional, na melhor tradição universalista. Os grandes nomes da literatura e da arte é nesse magma que crescem, como um resultado espontâneo, e não de uma política cultural deliberada. Segundo este entendimento, o mais importante para uma democracia liberal é preservar a singularidade cultural de cada um, na sua diversidade. Uma singularidade baseada no amor ao conhecimento, em geral, e também a um saber específico, por muito modesto, raro, ou especializado que seja. Um saber que se alimente da reflexão, da solidez e da profundidade dos conhecimentos que cada um manifeste, e não da capacidade para o espectáculo. (continuação)