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sexta-feira, 11 de maio de 2007

O neo fascismo - 1

Cinco razões determinaram, noblesse oblige, que voltasse à carga contra a recente lei anti-tabágica, que determina, entre outras coisas, a proibição de fumar em locais públicos fechados. São elas:
1. Esta notícia, segundo a qual a proposta poderá obrigar os proprietários dos cafés e restaurantes com menos de cem metros quadrados a denunciar os clientes fumadores. Caberá ao proprietário do estabelecimento "chamar as autoridades administrativas ou policiais, as quais devem lavrar o respectivo auto de notícia.
2. Este post de Fernanda Câncio, a favor, que reproduz um texto de Tiago Mendes, versão revista de uma outra postagem no "Cinco Dias", com abundantes comentários.
3. Este texto pró-legislação de Vasco Barreto, em "A Memória Inventada"
4. O comentário crítico de João Miranda, no "Blasfémias".
5. A evocação de "O Admirável Mundo Novo", de Huxley.

Espantoso. Instalou-se na opinião publicada a seguinte presunção inelidível: in dubeo contra o fumador. Que se tornou, para todos os efeitos, o bode expiatório de serviço. É esse o sentido útil do clima higienista e autoritário que esta Lei vem sufragar. A obrigação de denúncia dos infractores pelos proprietários dos estabelecimentos é tenebrosa. Remete não para a PIDE, como já li, mas para a Inquisição. É que, materialmente, o ilícito tem mais a ver com o dogma sanitário do que com a subversão política. Enfim, lido o libelo dos proibicionistas, apraz dizer o seguinte:

1. Antes de mais, confesso que a classificação feita dos estabelecimentos de restauração e diversão em três tipos me parece rebuscada e não abarca uma série de situações de fronteira. O autor (TM) faz do tipo 1 um autêntico melting pot. Metendo no mesmo saco realidades que nada têm a ver. Por exemplo, confunde restaurantes e casas de pasto - cuja maior frequência se verifica aos almoços - com as "manjedouras" do come em pé, que proliferam na downtown lisboeta e portuense - em que a lógica é "enfardar e sair". Esquece assim a realidade do "restante" país. Onde há tascas e estabelecimentos de referência que são, em muitos casos, marcos insubstituíveis na vida social das comunidades: é lá que se vai petiscar e conviver a qualquer hora; é lá que se vai ter "aquela" conversa, ou fazer "a tal" proposta, é lá que os segredos se tornam caricaturas e a verdade o simulacro de uma mentira adocicada. O que acontecerá em locais desse género, com as "autoridades" a entrar e a sair cada vez que um cidadão acende um cigarro? Será que Tiago Mendes pensou nisto com um mínimo de seriedade intelectual? Às vezes, chego mesmo a pensar que esta lei é só uma brincadeira de mau gosto, promovida por desocupados que confundem modernidade com cegueira.
2. Depois, os fundamentalistas querem ir mais longe, pretendendo a exclusão do tabaco mesmo em locais abertos. Veja-se esta pérola de Tiago Mendes, para melhor compreensão da vulgata higienista em curso: A questão da possibilidade de separação eficaz do fumo é crucial – e muito mais importante que a que alguns fumadores federados apontam. Muitos nem conseguem perceber que por um espaço ser “aberto” isso não invalida que o fumo incomode os outros. Por exemplo, numa paragem de autocarro, como no barco que liga Setúbal a Tróia, mesmo ao ar livre eu serei facilmente incomodado por alguém que fume. O vento, aqui, é quem mais ordena. Em espaços públicos, mesmo que abertos, há que considerar a legitimidade de cada um ao seu espaco. Deve ser permitido fumar apenas se houver uma eficaz separação de fumadores e não fumadores. Nas paragens de autocarro, isso não é possível (só é possível se a pessoa se afastar suficientemente, mas aí deixa de estar na paragem do autocarro). No barco para Tróia, é possível, mas apenas se houver uma barreira física, por exemplo, uma separação de vidro, com 3 ou 4 metros de altura, para parte do barco, e na parte de trás, necessariamente. Não chega fazer da parte de trás do barco uma zona de fumo, porque os não fumadores têm igual direito a apreciar a vista nesse lugar. Portanto, fumar, ao ar livre, em espaços públicos que não a rua, só com uma separação eficaz – e quando digo eficaz, quero dizer mesmo 100% eficaz. Mais palavras para quê? Nem os taliban legislariam melhor.

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