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quarta-feira, 16 de maio de 2007

A nova velha esquerda

Ver Daniel Oliveira no programa televisivo "Eixo do Mal", especialmente no último. Que melhor exemplo para observar o que a esquerda convencional ainda consegue balbuciar, num mundo onde se limita a resistir, numa busca desesperada de heróis (o melhor que conseguiu arranjar foi o primata Hugo Chavez), caminhando para o abismo sem deixar de ignorar a erosão das figuras saídas dos sarcófagos que galhardamente esculpiram uma meta-história tristonha em tempos idos? E que insiste em exibir uma consciência solene ou festivamente limpa, preocupada em não sair de cena de um equilíbrio mundial que não compreende. Mas onde não deixa de emular uma patética peregrinação em direcção ao abismo. Sintomática, a incapacidade em aplaudir qualquer acto, qualquer modelo político que pressuponha mais sacrifícios que os que estaria disposta a assumir, em paralelo com a propensão para não perdoar a audácia de políticos predestinados ao sucesso, fora da vulgata messiânica. Pois o conhecido bloquista, notabilizado por ter jurado a pés juntos que o que se passou na praia de Carcavelos há dois anos foi uma ilusão de óptica colectiva e por ser o porta voz actual de Sá Fernandes (o "empata" do túnel), veio dizer uma coisa espantosa: Blair é uma figura menor na cena europeia, decretando logo a seguir que ficará na história unicamente por causa da Guerra do Iraque. Notável, tamanha cegueira. Blair é o político europeu que melhor compreendeu os novos equilíbrios mundiais e que melhor interpretou as aspirações tradicionais da social democracia europeia. Que assentou em três pilares básicos: um ambiente favorável para as empresas e para os negócios; manutenção de mercados abertos e com altos índices de ocupação, porque é necessário que um mínimo de 70% da força laboral de um país esteja activa para que se torne possível o financiamento que proporciona o chamado Estado do Bem estar; finalmente, um bom sistema de pensões sociais, formação profissional, educação e saúde. Foi este o programa básico da Terceira Via, a designação sob a qual promoveu as suas políticas, mediante o contributo teórico de um think thank, que teve Anthony Giddens como figura de proa. Blair conseguiu a proeza de ver reduzidos drasticamente os índices de desemprego na Grã-Bretanha, com valores próximos do pleno emprego, aumentada a competitividade da economia, mantida a qualidade e o fluxo de prestações sociais e serviços públicos, controlar as tensões sociais com origem na multiculturalidade, gerir o complicado dossier da segurança e da ofensiva contra o terrorismo. E tudo isto sem deixar o Reino Unido de ser um parceiro indispensável no processo de integração europeia. Em suma, o melhor P. M. que o R.U. já teve desde a Segunda Guerra. Sendo exemplo incontornável para grande parte da esquerda europeia de inspiração social-democrata e social-liberal. Mas pronto, Daniel Oliveira e seus compagnons de sarjeta pensam o contrário. Grande parte da esquerda francesa também. Por isso perderam as presidenciais.
Para acabar, um excerto delicioso de Norman Mailer, retirado de "Os Exércitos da Noite" (ed. D. Quixote, 1997). Diz o autor de "Os Nús e os Mortos", referindo-se a determinados liberais (em determinados contextos, o correspondente americano à nossa esquerda mais caricatural) na década de 60: "a posição ou o poder na sociedade eram, para o tecnólogo liberal, também um conceito desejável, mas sempre com a possibilidade de ser abandonado em troca de outro melhor. Eram servos daquela máquina social do futuro, na qual todo o conflito humano irracional seria resolvido, negociado todo o conflito de interesses, e a ressonância da natureza seria condensada em frequências que, confortavelmente e consoante o gosto, a pudessem ligar ou desligar. As suas salas de estar pareciam escritórios precisamente por estarem prontas a ser mudadas para a Lua a fim de formarem cidades de Utopia - sendo utopia, pode bem supor-se, o único nome apropriado para modelos-piloto da Utopia em Áreas de Estágio Não Terrestres ecologicamente Subdependentes e Francas, ou seja, planetas mortos, para onde se tenha de mandar comida, mas onde as possibilidades de bons direitos cívicos e engenharia social sejam cem por cento de truz!"

1 comentário:

  1. Esse programa tem o dom de me irritar. Devido a duas personalidades residentes: o Daniel Oliveira e a Clara Ferreira Alves. Esta, principalmente, bate todos os recordes do pedantismo e da ignorância disfarçada de erudição.

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