Os livros são países, confidencia o leitor errante. Descobertos, não conquistados; percorrendo atalhos, não vias cartografadas; por vagamundos, não por plenimundos. Escrever é uma anabase, uma viagem em direcção ao interior de um país que nasce no risco do esquecimento. Ler é seguir o rasto de quem escreve - mas quem lê, inevitavelmente, perde-se, transvia-se, desvia-se da linha traçada, treslê, despista-se nas curvas da letra, escreve outro percurso, lê outro país. Continua o leitor errante: conheci um explorador genuíno (mas nada conquistou e nada tinha que fosse seu); sobre a leitura disse:
Os livros são chatos de ler. Não há neles livre circulação. Somos convidados a seguir. O caminho está traçado, único. Muito diferente é o quadro, total. À esquerda, também à direita, em profundidade, sem peias. Nele não há trajecto, há mil trajectos, e as pausas não são indicadas. Mal a gente o deseje, de novo o quadro todo, por inteiro. Num instante está ali tudo. Tudo, mas nada ainda é conhecido. É aqui que se deve começar a ler.
O livro é, não obstante as limitações da memória, como um quadro: no momento em que se acaba a leitura, tem paisagens, vales, dobras sombrias, cor, corografia. Dos seus picos (cobertos com a neve dos sublinhados) os pobres espremem citações, os sábios erigem torres académicas e os vagabundos visionam panoramas de intensidade, medo e fascínio. Há também um ambiente, nos livros, uma luz do lugar, um sopro, às vezes um odor, único, que atravessa o país desvelado pela primeira leitura. No fim do livro é que começo a ler. Na revisita é que apreendo esse espírito que une leitor e escritor na mesma aflição, a aflição que impele à escrita e à leitura, conclui o leitor errante.
Os livros são chatos de ler. Não há neles livre circulação. Somos convidados a seguir. O caminho está traçado, único. Muito diferente é o quadro, total. À esquerda, também à direita, em profundidade, sem peias. Nele não há trajecto, há mil trajectos, e as pausas não são indicadas. Mal a gente o deseje, de novo o quadro todo, por inteiro. Num instante está ali tudo. Tudo, mas nada ainda é conhecido. É aqui que se deve começar a ler.
O livro é, não obstante as limitações da memória, como um quadro: no momento em que se acaba a leitura, tem paisagens, vales, dobras sombrias, cor, corografia. Dos seus picos (cobertos com a neve dos sublinhados) os pobres espremem citações, os sábios erigem torres académicas e os vagabundos visionam panoramas de intensidade, medo e fascínio. Há também um ambiente, nos livros, uma luz do lugar, um sopro, às vezes um odor, único, que atravessa o país desvelado pela primeira leitura. No fim do livro é que começo a ler. Na revisita é que apreendo esse espírito que une leitor e escritor na mesma aflição, a aflição que impele à escrita e à leitura, conclui o leitor errante.
Muito bom este texto, Gil
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