Acerca do debate sobre a despenalização do aborto, escrevi há tempos o seguinte: "o aborto é um tema em que as respostas não são, por regra, lineares. E as perguntas não deveriam também sê-lo. Está em causa a forma como o Estado irá regular a esfera pessoal dos cidadãos. Aqui, as opções de regulação não se medem em quantidades e os interesses envolvidos são difusos. Trata-se, sobretudo, de valores fundamentais que podem ser defendidos ao mesmo tempo pela mesma pessoa. Sendo que a ciência ainda não deu resposta a algumas questões que poderiam atenuar os diferendos ao nível da opinião pública."
A minha posição sobre o tema é inequivocamente pela despenalização. Pelas razões básicas aqui apontadas. Ora, o debate em curso é igualmente revelador da verdadeira matriz ideológica e cultural de muitos participantes. Leia-se então este argumentário de João Gonçalves no Portugal dos Pequeninos, tal Gulliver num exercício de desprezo pelos habitantes de Lilliput. Para o autor, os defensores da despenalização do aborto são "meia dúzia de causalistas" impondo mais um método contraceptivo com o atributo da correcção política. Que vão criar mais uma fonte de despesa, financiada com os "nossos" impostos - "dele", é claro - com o "nosso rico dinheirinho". A seguir podia vir o "vão trabalhar, malandros!", sem mudar de tom. Mais à frente, antecipando a vitória do "não", refere que essa é a única forma daquilo a que chama "as excepções legais à criminalização da prática da ivg" - que, tecnicamente, mais não são do que causas de exclusão da ilicitude - previstas na lei actual poderem ser condignamente praticadas nos hospitais públicos. Num exercício táctico oportunista, JG mistura aqui um economicismo próprio de um liberal, que ele não é, com um conservadorismo atávico de que, efectivamente, é tributário. Em aberto fica a iniquidade da responsabilização criminal de mulheres cuja decisão foi já suficientemente penosa. Mas o que interessa isso a João Gonçalves? O que lhe interessam as questões das pessoas em concreto - e das mulheres em especial - o domínio de facto sobre o seu próprio corpo? É precisamente o não reconhecimento do direito de opção o que caracteriza os defensores do "não". Que pretendem, neste caso, a continuidade da imposição, por via legal, de valores e crenças exclusivos de um sector da população.
Lendo-se ainda este post de JG, desaparecem as dúvidas acerca da vastidão da sua ignorância acerca do país real, a sua enorme arrogância, o seu profundo desprezo pelas mulheres, a sua matriz ideológica saudosa do autoritarismo, do privilégio e da opressão. Eis o típico defensor do "não", cuja combatividade não se deverá desprezar.
É de prever que, neste campo, a demagogia suba de tom na proporção inversa da qualidade dos argumentos. Como diz Vasco Rato, num artigo publicado no penúltimo número da revista "Atlântico", aos que condenam o aborto por razões puramente morais, seria exigido que o fizessem em todas as circunstâncias, sem excepção. No entanto, acrescento eu, preferem manter e lei actual, que o Estado tem vergonha em cumprir e a maioria dos cidadãos em aceitar.
Lendo-se ainda este post de JG, desaparecem as dúvidas acerca da vastidão da sua ignorância acerca do país real, a sua enorme arrogância, o seu profundo desprezo pelas mulheres, a sua matriz ideológica saudosa do autoritarismo, do privilégio e da opressão. Eis o típico defensor do "não", cuja combatividade não se deverá desprezar.
É de prever que, neste campo, a demagogia suba de tom na proporção inversa da qualidade dos argumentos. Como diz Vasco Rato, num artigo publicado no penúltimo número da revista "Atlântico", aos que condenam o aborto por razões puramente morais, seria exigido que o fizessem em todas as circunstâncias, sem excepção. No entanto, acrescento eu, preferem manter e lei actual, que o Estado tem vergonha em cumprir e a maioria dos cidadãos em aceitar.
Gil,
ResponderEliminarOra aqui estou eu, aqui estou eu para te falar, como dizia uma canção revolucionária do nosso tempo. Ainda bem que interrompeste a gravidez do texto sobre o Júlio.
Não li o texto do JG mas puxas-lhe as orelhas por ele não ser liberal e tomar posições de direita. Depois citas o Rato, um dos homens morais de Portugal que apoiou essa interrupção voluntária da gravidade que foi o ataque ao Iraque, conferindo-lhe cartas de progressismo que ele não quer. Sabes que mais? Todos ficamos direitos ou de Direita, com a idade, se a Vida dá a sorte de nos endireitarmos, mas não o faças como eu. Uma outra alternativa que é ficar conservador, com métodos de Esquerda,sufragistas, gritadores, revolucioneiros, também não é bom. Olha para a Loucura que vai naquele PS, que já nem o Sexo as pessoas reconhecem em si próprias. Dois reparos, além do teu legítimo direito (muito anterior a essa coisa que chamam Democracia): não identifiques a posição, liberal ou conservadora do contendor. Ele lá sabe o que pensa perante o caso concreto. Não o acuses de "economicismo", "conservadorismo atávico", "o útero e o Estado", o "domínio do próprio corpo", o "ressabiamento de classe" e outros conceitos com que adjectivas sem fim a expressão dele. Não é por coleccionares argumentos que ganhas a causa.No julgamento de Galileu, não imaginas o peso e consistência dos argumentos dos seus Juízes de cujo nome nem sequer nos lembramos. O coração não é um tribunal e os antigos egípcios achavam que a nossa alma residia no coração, porque o cérebro podia parar mas o coração continuava enquanto, se o coração parasse, acabava tudo.
Quando falas da Mulher em concreto, lembra-te que não és Mulher e que cada mulher, como cada indivíduo com as suas características substanciais, corpóreas, de sensibilidade e de carácter, é, em certos momentos, o Universo inteiro. Por isso, cada cabeça, cada sentença. Sim, senhor, até a sentença dos médicos que são entusiasmados a dar vida e não dar morte. Como o bombeiro que até sabe atear fogos com mestria para limpar o terreno e impedir a propagação de um Fogo, mas não é esse o seu "mistério", atear fogos. O mistério da Mulher é dar Vida, que cresce dentro de si, um mistério que nem tu, nem eu, sabemos.
Dizes que isto é uma questão de Justiça social( chamas-lhe Saúde Pública). Olha que já vai sendo tempo de perceberes que isso da "sociedade", somos também nós, somos nós dentro de nós mesmos, às vezes quando somos o Universo inteiro. Deixa a Lei exprimir um pouco a Natureza, que, sendo um conceito subjectivo e histórico, é de certeza mais lento a evoluir que os nossos repentes, apetites e decisões. Deixa a questão do "Aborto" para o perdão e para a compreensão, faz dele uma excepção à Lei, não faças dele a Lei. Sim, o que te digo é que a Lei não é inteiramente algo na nossa mão, como não o é o Passado, como não é a Montanha, o Clima ou o Rio.
O mal deste debate é que se vulgariza algo que é profundamente pessoal. Até dizem pessoas mais habituadas a este debate lá fora e que são claramente pelo não, que o debate é importante porque desperta as pessoas para a consciencialização do Sexo e da Gravidez. Ora eu acho que não, eu acho que se devem deixar certas coisas na intimidade das pessoas. Por isso, termino com uma história real. Eu não vou votar mas vi num balcão uma mulher de meia idade, na minha Junta de Freguesia, que perguntava se podia votar por correspondência, pois não podia estar presente em Fevereiro. Porquê? Ia para fora por razões de saúde. E podia-se ver que ela estava doente. Disseram-lhe que não. Estive para lhe dizer. minha senhora, eu voto por si. Diga-me o sentido do seu voto e votarei como quiser. Pode ser que me enganasse muito, mas ela votaria não. E talvez não. Talvez votasse sim...
É assim que devemos votar. Pelos outros, pela Humanidade, como um Hussein perante a Morte, sózinho perante Deus é a Humanidade inteira.
Votar pelos outros como se fosse eu. Não votar pelos outros como se eles fossem eu.
Assim o fizeram o Padre Kolbe e o Santo Teresio Olivelli, santo dos Alpini, fascista primeiro, partiggiani depois. Sempre santo.
André
A sondagem que apareceu no "Público" de ontem, embora valendo o que vale, é animadora.
ResponderEliminarTambém vi essa sondagem. Mas é curioso que a percentagem daqueles que admitem o aborto por simples iniciativa da mulher baixa drasticamente, em comparação com os outros motivos constantes da inquirição.
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