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sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Conto de Verão

Hoje à tarde encontrei um amigo que já não via há algum tempo. Em seguida beberam-se as cervejas da praxe. Estava desolado. Tinha combinado umas férias com a namorada. Um dia antes ela ligou-lhe. A cantiga do bandido: estava confusa, mais não sei quê, tinha que ir não sei onde, etc. Conclusão: lá se foram as férias. Eu a pensar, "olha, onde é que já vi isto?" "Graças a estes banhos de água fria, quero acreditar ferozmente que me tornei um aprendiz de céptico, que passei a tropeçar na tal corda que é para atravessar e vice-versa, que consegui ultrapassar a dialética entre o optimismo de Pangloss (tudo vai pelo melhor) e o pessimismo de Martin (à pergunta de Cândido "então para que serve o mundo?" responde "Para nos enfurecer"), da mesma forma que Cândido, no final, "sei que é preciso cultivar a nossa horta"*.
Vendo bem, o normal é o que aconteceu ao meu amigo e a mim: as pessoas passam a vida a fazer acreditar as outras em qualquer coisa e depois acabam a justificar-se com mentiras piedosas. Acreditar no contrário pode ser euforizante. Mas a realidade é de uma simplicidade cruel e edificante: está-se só e morre-se só. O resto são entusiamos para principiantes. Portanto, o melhor é só contar comigo. De promessas está o inferno cheio. Todavia, será esta dedução assim tão linear? Não será essa a suprema justificação que encobre todas as outras? É. O que fica então? Manter a esperança quando tudo aponta para que a espera cesse. A horta. É claro que não disse nada disto ao meu amigo. Só lhe perguntei se não queria fazer férias das férias. E avançar com a torre quando tudo estava à espera que lançasse a rainha.

* Voltaire, Cândido, Guimarães Editores, 2005

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