Foi ontem apresentada no TMG a peça ORGIA, de Pier Paolo Pasolini, pelos Artistas Unidos. O texto, definido como "um poema a várias vozes", evoca o fim da inocência vivido por um casal, algures num subúrbio de uma grande cidade, por via das suas obsessões eróticas e fetiches vários, que culmina na fuga-suicídio. Aqui, como em toda a obra literária e cinematográfica de Pasolini, descobrem-se as suas constantes reivindicações e gritos de insurgência: o hedonismo contemporâneo como padrão uniformizador e versão soft do totalitarismo, o corpo como ponto de partida de todas as revoluções, a inocência da carne, a nostalgia de um universo camponês, pré-nacional e pré-industrial e que inclui as culturas urbanas subproletárias. Um mundo antigo, em suma, onde a inocência era o maior trunfo erótico e a única condição para a santidade. Veja-se, neste ponto, a inclusão na banda sonora da peça do excerto de uma ária da "Paixão Segundo São Mateus", de Bach.
Em 1974, num ensaio intitulado "Sobre a revolução antropológica em Itália" afirmava Pasolini que "o Poder decidiu que somos todos iguais. A ânsia do consumo é uma ânsia de obediência a uma ordem não enunciada. Nunca a diferença foi tão aterradora como neste período de tolerância." Mais à frente enuncia as duas principais características dessa igualdade: a fossilização verbal (não é por nada que Passolini quis aprender e chegou a escrever no seu dialecto natal do Friuli) e a tristeza, afirmando: "a alegria, quando existe, é sempre exagerada, ostentatória. A tristeza física aqui referida é profundamente neurótica. Ela deriva de uma frustração social, agora que o modelo a seguir já não é o da própria classe, mas o que o Poder impôs, muitos não são capazes de o realizar." A era do vazio? Claro que não. O binário espera-esperança, que move as nossas representações colectivas há uns largos séculos responde por si.
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