Contrariamente ao que geralmente se pensa, a crítica não é uma instância mediadora entre o escritor e os leitores. Esse espaço pertence aos editores, cuja função consiste em propor ao público e ao mercado aquelas leituras que, segundo o seu critério, poderão satisfazer as necessidades destes. O crítico analisa e qualifica essas propostas, situando-se o seu trabalho entre a edição e os leitores. Mas a prática é enganosa e tende a fazer-nos pensar que os críticos falam de escritores, quando na realidade se referem às propostas editoriais.
Seria bom que os escritores entendessem que a crítica não tem como objecto as suas obras, enquanto pertencentes à sua privacidade, mas só enquanto passam pela decisão editorial de torná-las públicas. E seria especialmente conveniente que os críticos entendessem que o seu trabalho começa e acaba na instância do público.
Poderiam classificar-se, desde um ponto de vista funcional, três categorias de críticos: os provadores, os guardiães e os tribunos.
Os provadores seriam aqueles que assentam e legitimam os seus juízos no seu próprio gosto ou paladar literário. Gosto disto, não gosto daquilo: os seus argumentos logicamente remetem-nos para as suas sensações e impressões. Para este tipo de críticos, a literatura reduz-se a um simples intercâmbio de privacidades e a sua função reduz-se a estimular ou travar o consumo.
O gosto de estes críticos coincide quase sempre com o gosto dominante. Abundam e sobrevivem bem no mercado, sobretudo se conseguem associar um tom radical à expressão do seu gosto, mas que, ao mesmo tempo, não questione o gosto hegemónico. Podem ser encontrados em todos os tipos de media.
Os guardiães são ao mais raros. A fonte da legitimidade de que se reclamam é a Literatura, um ente quase metafísico, que tendem a identificar com a história da literatura, com o cânone mais ou menos explícito, ou com uma inapreensível qualidade do discurso, que brota para além dos factos e situações sociais em que tem lugar a sua produção e recepção. Numa frase, percebem-se os depositários dessa qualidade, que em seu nome medem, calibram e homologam: guardiães da pureza, o que requer conhecimento da matéria, da história da literatura e uma certa bagagem técnica, para um desempenho à altura da tarefa. A reunião destas qualidades faz que o seu número seja escasso e, ainda que isso os torne desejáveis, os seus conflitos com os media (o seu sentido de exigência parece chocar com a conveniência informativa) podem estar a convertê-los numa espécie em vias de extinção. São facilmente reconhecíveis pelo seu recurso a uma linguagem objectiva, rotunda e categórica, na qual aparecem, como certificados de qualidade, determinadas citações e referências de autores, obras e críticos das mais variadas origens.
A categoria dos tribunos desapareceu do nosso espaço literário. O tribuno sente-se legitimado e responsável ante a polis e, por isso, a sua crítica é uma crítica política. Não quer isto dizer que o tribuno transfira o político para a literatura, mas sim que enquadra os textos literários nesse contexto geral que é a vida em comum. apreciando e julgando a saúde literária das obras que se lhe deparam a partir dessa perspectiva.
Em sociedades complexas como as nossas, onde o bem comum é um conceito disputado, o tribuno opta por um ou outro entendimento e, a partir dessa eleição opera, critica. O perigo reside em menosprezar o que a literatura representa como património de interesse comum, enquanto modo de conhecimento específico. O tribuno precisa que no dinamismo social coexistam, com iguais possibilidades, opções distintas sobre o que possa ser o bem comum. Quando certas instâncias sequestram de modo hegemónico uma determinada ideia sobre o bem comum, ou monopolizam os meios que concorrem para a sua construção, o tribuno não tem espaço, cessam as razões da sua existência. E isso é exactamente o que ocorre nos dias de hoje, em que reina, não tanto o pensamento único, mas sim um pensamento hegemónico, que nega qualquer ideia de bem comum que ultrapasse a mera soma dos bens individuais e em que os meios de criação e expressão deste pensamento quase monopolizam a voz da polis, se é que algo restou dela.
Na prática, estas três categorias nem sempre aparecem com perfis nítidos. Bocados de cada um deles cruzam e descruzam, não faltando exemplos do provador que cita Steiner por dá cá esta palha, nem do guardião que se deixa levar pela exaltação lírica, nem de falsos tribunos que confundem o político com as boas intenções.
Seria bom que os escritores entendessem que a crítica não tem como objecto as suas obras, enquanto pertencentes à sua privacidade, mas só enquanto passam pela decisão editorial de torná-las públicas. E seria especialmente conveniente que os críticos entendessem que o seu trabalho começa e acaba na instância do público.
Poderiam classificar-se, desde um ponto de vista funcional, três categorias de críticos: os provadores, os guardiães e os tribunos.
Os provadores seriam aqueles que assentam e legitimam os seus juízos no seu próprio gosto ou paladar literário. Gosto disto, não gosto daquilo: os seus argumentos logicamente remetem-nos para as suas sensações e impressões. Para este tipo de críticos, a literatura reduz-se a um simples intercâmbio de privacidades e a sua função reduz-se a estimular ou travar o consumo.
O gosto de estes críticos coincide quase sempre com o gosto dominante. Abundam e sobrevivem bem no mercado, sobretudo se conseguem associar um tom radical à expressão do seu gosto, mas que, ao mesmo tempo, não questione o gosto hegemónico. Podem ser encontrados em todos os tipos de media.
Os guardiães são ao mais raros. A fonte da legitimidade de que se reclamam é a Literatura, um ente quase metafísico, que tendem a identificar com a história da literatura, com o cânone mais ou menos explícito, ou com uma inapreensível qualidade do discurso, que brota para além dos factos e situações sociais em que tem lugar a sua produção e recepção. Numa frase, percebem-se os depositários dessa qualidade, que em seu nome medem, calibram e homologam: guardiães da pureza, o que requer conhecimento da matéria, da história da literatura e uma certa bagagem técnica, para um desempenho à altura da tarefa. A reunião destas qualidades faz que o seu número seja escasso e, ainda que isso os torne desejáveis, os seus conflitos com os media (o seu sentido de exigência parece chocar com a conveniência informativa) podem estar a convertê-los numa espécie em vias de extinção. São facilmente reconhecíveis pelo seu recurso a uma linguagem objectiva, rotunda e categórica, na qual aparecem, como certificados de qualidade, determinadas citações e referências de autores, obras e críticos das mais variadas origens.
A categoria dos tribunos desapareceu do nosso espaço literário. O tribuno sente-se legitimado e responsável ante a polis e, por isso, a sua crítica é uma crítica política. Não quer isto dizer que o tribuno transfira o político para a literatura, mas sim que enquadra os textos literários nesse contexto geral que é a vida em comum. apreciando e julgando a saúde literária das obras que se lhe deparam a partir dessa perspectiva.
Em sociedades complexas como as nossas, onde o bem comum é um conceito disputado, o tribuno opta por um ou outro entendimento e, a partir dessa eleição opera, critica. O perigo reside em menosprezar o que a literatura representa como património de interesse comum, enquanto modo de conhecimento específico. O tribuno precisa que no dinamismo social coexistam, com iguais possibilidades, opções distintas sobre o que possa ser o bem comum. Quando certas instâncias sequestram de modo hegemónico uma determinada ideia sobre o bem comum, ou monopolizam os meios que concorrem para a sua construção, o tribuno não tem espaço, cessam as razões da sua existência. E isso é exactamente o que ocorre nos dias de hoje, em que reina, não tanto o pensamento único, mas sim um pensamento hegemónico, que nega qualquer ideia de bem comum que ultrapasse a mera soma dos bens individuais e em que os meios de criação e expressão deste pensamento quase monopolizam a voz da polis, se é que algo restou dela.
Na prática, estas três categorias nem sempre aparecem com perfis nítidos. Bocados de cada um deles cruzam e descruzam, não faltando exemplos do provador que cita Steiner por dá cá esta palha, nem do guardião que se deixa levar pela exaltação lírica, nem de falsos tribunos que confundem o político com as boas intenções.
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