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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Da pieguice

Não me surpreende a costumeira indignação dos cry babies saudosos do bom velho agit prop, por causa de uma afirmação de Passos Coelho numa conferência académica acerca da congénita pieguice dos portugueses. Alguns desses portugueses, uns por osmose com catecismos de outros tempos, já em fase de morte assistida, outros por obrigação "revolucionária", outros por ressabiamento, outros porque uma ilusão de que l´air du temps ainda é o seu particular l'air du temps, esganiçaram-se num alvoroço de capoeira contra a recomendação da Passos Coelho. Devo dizer que não me surpreendeu a regulamentar halitosis ideológica propalada pelos chefes da esquerda "revolucionária" com assento parlamentar. No entanto, confesso que a má citação de Camões por Zorrinho, líder parlamentar do PS, me deixou boquiaberto. Seja como for, o 1º ministro acertou em cheio. Juntamente com a inveja, a fome social e o medo da cidadania, a pieguice é um dos sintomas mais graves da degenerescência nacional. Uma coisa é a luta individual, anónima, muitas vezes heróica, de milhões de portugueses, por uma vida digna. Isso é sério e intangível. Outra coisa é a sua caricatura: precisamente a pieguice. Ou seja, o hábito da queixinha, da eterna lamentação, da revolta desperdiçada, do papaguear de catecismos exóticos, decalcados do tempo em que a palavra ainda fundava o poder. Ou seja, um colete de forças letal. Tudo isto enquanto as guitarras tangem e se canta o fado...

2 comentários:

  1. José Manuel T. Mota da Romana09 fevereiro, 2012 11:53

    Caro amigo, Godinho
    Não me assiste o poder da sua palavra, verve de quem se debate nas barras do tribunal, de quem é escritor, que muito aprecio. Assim,fico com a fraqueza do meu estilo medíocre para manifestar a minha discordância sobre a pieguice. Não me parece que seja uma identidade portuguesa.Somos como povo, isso sim, melancólicos,pessimistas, servis, submissos, pacientes...O primeiro -ministro, em linguagem coloquial, mas infeliz e pouco sábia, falando a jovens, generalizou e amplificou o sentido, atribuindo-o aos portugueses que, hoje, estão a ser vítimas de medidas políticas austeras. Não as sente? Não se queixa delas? Não as critica? Não acredito que faça parte do clube dos mais ricos do país.Ou, então, pobrete mas "alegrete", acredita na redenção deste neo-liberalismo rasca que por aí grassa? Lamentando o estado das coisas e a vida das pessoas, pela minha parte, continuarei solidário, distinguindo individualismo de personalismo,elogiando este e depreciando o outro.Manter-me-ei ao lado dos que resistem para terem uma vida digna neste país e gostaria que o sucesso de cada um fosse o sucesso de todos. José Manuel Romana

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  2. Caríssimo Mota da Romana

    É realmente um privilégio ver a sua participação neste blogue. E será certamente o debate que sairá beneficiado. As questões que levanta são pertinentes, sem dúvida. Todavia, creio que uma leitura mais atenta ao meu artigo levaria à conclusão de que pouco ou nada têm a ver com ele. O tema chave do texto é a pieguice como uma erupção colectiva malsã, que pode ser generalizada no contexto nacional. Partindo-se de um dúplice entendimento dessa pieguice: por um lado, como desistência, apego à fatalidade, o resultado visível da "reunião pacífica de gente zangada",expressão que utilizou Torga para caracterizar os portugueses; por outro lado, como uma manifestação de egoísmo social, de uma hipersensibilidade à perda de regalias que estão longe de ser eternas, do fraco domínio da arte de lamber o mel dos espinhos, do apego excessivo a uma prosperidade de papelão insuflada pelo crédito fácil, da histeria dos inocentes políticos, da relativização dos sacrifícios, onde os próprios valem mais do que os alheios, da inexistência de uma forte consciência cívica que tenha em conta o carácter intangível de um restrito núcleo de direitos e o carácter acessório de outros.
    Como decerto pode ler no post, isto nada tem a ver com a tal luta diária individual e anónima de muitos portugueses, face às adversidades que encontram. Aquela que não vem nas estatísticas, não faz parte do alinhamento dos noticiários, nem da agenda dos sindicatos. O que significa que só é piegas quem "pode", e não quem "quer".
    Por outro lado, não creio ser a resignação uma característica congénita nossa. Bem pelo contrário. Face a todo o tipo de contrariedades e de ambientes, o português distingue-se precisamente por saber dar a volta, pela criatividade, por responder aos desafios. Seja em que parte do mundo estiver. Creio que foi indirectamente, em meu entender, a este traço de carácter que o 1º Ministro apelou.

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