Reflexões, notas, impressões, apontamentos, comentários, indicações, desabafos, interrogações, controvérsias, flatulências, curiosidades, citações, viagens, memórias, notícias, perdições, esboços, experimentações, pesquisas, excitações, silêncios.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O viajante é quem mais ordena

Algumas notas, ainda a propósito da recente emissão do programa "O Humor e a Cidade", de José de Pina, dedicado à Guarda, objecto da postagem anterior. Já vi por aí alguns comentários a propósito de o humorista não ter ido aqui e acolá, nomeadamente à Sé. Até já vi questionado o facto de ter ido a Belmonte. Vamos por partes. Esta última objecção reflecte um dos lastros crónicos na mentalidade local: o paroquialismo, as guerras dos "castelinhos", ou das capelinhas, se quiserem. Ou seja, uma visão empobrecedora do que deveria ser uma autêntica dinâmica regional. Conseguida graças a uma composição harmónica das diferenças e não da sua oposição. A primeira crítica, por sua vez, ilustra uma postura territorial e proprietária, muito própria do beirão, mas que abunda em excesso por aqui. Como se a cidade e a Sé fossem "nossas"! Sim, claro, são-no inteiramente, mas só na poesia. Quanto ao resto, quer vivendo ou não na Guarda, pode-se e deve-se certamente amá-la, querer o melhor para ela. Mas sempre na posição de quem usufrui de um espaço urbano como um privilégio. De quem "está" nele numa feliz passagem. E no caso do património, como um depositário do seu significado e da sua integridade. Sejam os cidadãos ou, muito especialmente, as instituições a quem incumbe esse papel, a cumprir esse desígnio. Portanto, a Guarda não é "nossa". É da humanidade. Tal como foi das gerações passadas e sê-lo-á das futuras. Cabe-nos somente assegurar que assim seja.
Relativamente às opções seguidas no programa e que mereceram as críticas referidas, há algo mais a adiantar e que serve para ambas. Tudo me leva a crer que José de Pina, quando vai a esta ou aquela localidade, já leva o "guião" do programa na sacola. Ou seja, os temas e motivos a abordar já estão previamente definidos. Obviamente que, se o guião já vai feito, o roteiro é alinhado no terreno, como se compreende. Sobretudo quando se trata de visitar determinado restaurante ou estabelecimento nocturno. Mas a trama essencial já vai montada. E nem podia ser de outra forma. O viajante é soberano na sua deambulação. É essa a sua marca genética. Mesmo que, como no caso deste programa, se detecte um padrão nas visitas: idas a restaurantes, uma ou outra particularidade local, seja um monumento, uma tradição ou um simples objecto, muita subjectividade, informalidade, uma incursão pela vida nocturna, etc. Como se vê, o "programa de festas" está longe de corresponder ao de uma abordagem convencional, didáctica, exaustiva, com alguma solenidade pelo meio. É antes uma errância descontraída, bem humorada e naif pelos locais eleitos, mesmo que frequentemente crítica. Ao melhor estilo dos programas congéneres dos canais temáticos de viagens. 

Sem comentários:

Enviar um comentário