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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Autopsicografia

O poeta é um fingidor. Só porque o desencanto nunca é filosófico, mas poético. Porque apenas a poesia é capaz de apresentar as contradições sem as resolver. Compondo-as numa unidade superior, elusiva e musical. Enquanto esse desencanto, ao mesmo tempo que corrige a utopia, moderando o seu pathos profético e finalista, reforça o seu elemento fundamental, a esperança. Pois que a esperança não nasce de uma visão do mundo tranquilizadora e optimista, mas sim da dilaceração da existência, vivida e sofrida sem véus. A que cria uma irreprimível necessidade de resgate perante o mal. O mal que é simplesmente a radical insensatez com que se apresenta o mundo. A mesma que exige que a perscrutemos em profundidade. O poeta é um fingidor, nada mais. Porque não hesita em denunciar uma ferida profunda que lhe coloca dificuldades na realização plena. Tanto mais que "ambicionar viver é coisa de megalómanos", como escreveu Ibsen, querendo com isto talvez dizer que só a consciência do árduo e temerário que é aspirar à vida autêntica pode permitir que nos aproximemos dela. Tão completamente que até parece dor a limalha irisada que nos cobre, nesse momento. Como que numa exclamação incontida de glória...

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