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quinta-feira, 7 de abril de 2011

A arte da fuga

A fuga tem duas predestinações mais ou menos aceites pelo imaginário popular: a evasão penitenciária e o itinerário da consumação plena de alguma paixão fulgurante, que não espera pela aprovação das circunstâncias onde nasceu. Ambas são depositárias da rêverie romântica, ao jeito de Dumas, ou Camilo, respectivamente. No entanto, só a segunda encerra o núcleo essencial do amor trovadoresco. Ou seja, a representação do amor tal como o Ocidente o conhece, nascida algures na Provença do séc. XII. O maior problema destas movimentações, antes feitas a cavalo e hoje perfeitamente motorizadas, é que ninguém fala do local de chegada. Nada se sabe do que aconteceu "depois". Ou seja: o normal é dizer-se: "fulano e sicrana (ou fulano e sicrano, ou sicrana e fulana, sim, é melhor ampliar as variáveis politicamente correctas, não vão as associações "do sector" cair-me em cima) fugiram os dois anteontem, abandonando tudo". Descontado o pleonasmo da última parte, raramente o local de chegada, ou o desenvolvimento da história romanesca, são tema de conversa, ou mesmo objecto de curiosidade. Porque será? Pudor? Seria bom demais. Desinteresse? A proliferação de romantismo de cordel e das revistas cor de rosa desmentem a hipótese. A minha aposta vai para outra possibilidade, aparentemente menos óbvia: o mito do "foram felizes para sempre" impõe aqui a sua cortina de silêncio cúmplice. É que, se a fuga denota arrojo, também comporta um risco. E quem se arrisca não o faz sem uma determinação acima do cálculo e à margem da decepção. E não é menos verdade que o heurístico "happy end" é a homenagem possível que a resignação videirinha dedica à grandeza. Ou que uma curiosidade indisciplinada consagra ao que já pertence a uma ficção demasiado próxima da realidade.  Portanto, para todos os efeitos, "viveram felizes para sempre". Porquê? Don't ask, don't tell!. Caso encerrado.

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