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sexta-feira, 11 de junho de 2010

Viagens na minha terra

Cavaco apelou à Nação para umas feriazinhas caseiras, durante a silly season. O Ministro Vieira da Silva veio logo contrapor que, se todos os chefes de Estado fizessem o mesmo pedido, voltávamos à autarcia global. Posições respeitáveis, ora essa! Mas que todavia só me interessam pelo que revelam nos entrefolhos. Cavaco seguiu a sua intuição particular de olhar para a realidade segundo uma vertente económica. Inatacável na perspectiva do acentuar do défice da balança comercial. Vieira da Silva, por sua vez, quis ser cauteloso. No caso, para espetar uma farpinha no PR, comprando uma mini guerra do alecrim e da manjerona em nome do seu amigalhaço Alegre. Cavaco parece acreditar num esforço patriótico colectivo, que ultrapasse a simples colocação das bandeiras nacionais nas varandas. Quer uma abdicação do hedonismo provinciano que nos caracteriza, na sua área mais sensível: o lazer. Em troca de quê? Da austeridade de um gesto amplo, liberal e magnânimo. Por seu turno, Vieira da Silva não renega a sua tradição esquerdista dos direitos adquiridos. Um desiderato de que a firme recusa na devolução de territórios anexados pela ex União Soviética é a feliz tradução na real politik. O Ministro quis ser mais deste mundo: "aproveitem enquanto há, pois a sopa dos pobres da UE está quase a fechar!" Quis ser modernaço, arauto de uma versão de cosmopolitismo muito querido em certos meios, do tipo esbanjador e auto-complacente. Mas o seu erro foi simultaneamente a virtude de Cavaco. Passo a explicar. O Presidente não ignora que este tipo de apelo é mais fácil e com maiores garantias de êxito, se efectuado em Portugal e em tempo de vacas magras. A grande maioria dos portugueses vai deitar contas à vida e perceber que, nesta matéria, só vai quem pode. E agora, até mesmo fazer de conta que se pode vai custar os olhos da cara. O efeito do pedido foi por isso pouco mais do que placebo. Valeu pela oportunidade política. Por outro lado, se fosse a chanceler Merkl a fazer apelo semelhante aos seus concidadãos, o risco seria bem maior. Os alemães, por norma, acatam um desígnio colectivo de âmbito nacional com maior acuidade do que os portugueses. Pelo que, em meu entender, nada teremos a temer: os cidadãos do norte da Europa continuarão a buscar tranquilamente as paragens cálidas do meio dia para seu veraneio. E os viajantes portugueses, os que não escolhem época nem pedem licença, irão continuar a partir. E porventura a chegar.

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