Reflexões, notas, impressões, apontamentos, comentários, indicações, desabafos, interrogações, controvérsias, flatulências, curiosidades, citações, viagens, memórias, notícias, perdições, esboços, experimentações, pesquisas, excitações, silêncios.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Soltas de Natal

1. Como vem sendo hábito, vim passar o Natal a Lisboa. Ontem à tarde, o circuito começou com uma visita (de trenó ?) ao espaço comercial de uma conhecida multinacional sueca. O quê? Então o Pai Natal não vem da Lapónia ou lá o que é? Depois, mais tarde, consegui diluir-me, se é que isso ainda era possível, na chuva abundante e nas desvairadas gentes que pululavam, frementes, na zona do Chiado. Enchendo as lojas e as pastelarias como já não via há muito. Talvez o stress pós traumático da crise económica explique esta febre. Talvez.
2. Depois de uma passagem pela nova livraria da "Assírio & Alvim" (a FNAC estava impossível) e mais nalguns locais do costume, dei por mim na "Sisley". A arrastar a asa a um casaco parecido com o do Corto Maltese. E ansiando que, daqui a uns dias, os saldos façam milagres. No final, claro, veio o créme de la créme. Ou seja, uma visitinha à "First Flush", uma extraordinária loja de chás na Rua do Crucifixo. Em verdade vos digo, o que se passa lá dentro é poesia pura. Já explico. Para melhor cirandar pelas várias latas onde estão guardados os tesouros, "requisitei" uma empregada que, a pedido, as ia abrindo. Sucediam-se os Pu' er do Yunnan, simples ou aromatizados (é pena este produto, que é bebida nacional no Tibete, misturado com manteiga de yaque, não ser comercializado em discos prensados, como na origem), o Lapsang Souchong, o Gyokuro e o Houjicha do Japão, os Darjeeling da Índia, o Ooloong com Ginseng, alguns roiboos, o verde Pi Lo Chun, os blended russos, o Gun Powder, o Long Jing... A rapariga, à medida que abria as latas, descrevia com elas um gesto subtil, de uma elegância digna de nota, afim de impregnar o ar com a fragrância do conteúdo. No seguimento, o meu comentário era feito com a cabeça em movimento, volteando no vazio como numa dança dos sufis. O nariz no rasto do aroma que ia ficando. Ou, o mesmo é dizer, da doce ilusão, a que tudo se resumia, naqueles instantes. Poderia ser de outra forma?
3. Ao contrário do que muitos julgam, a cultura e o conhecimento não são simples adornos. Quando evoco no meu íntimo as imagens e as impressões que ficaram de um livro, de um filme ou de um concerto, tomo-as como instrumentos que encorajam a clareza, a proximidade, o músculo interpretativo. Companheiros de viagem que ajudam a errar melhor (grande Beckett), a encontrar os ditosos ruídos que não foram convidados para a festa, a isolar a esperança quando ela se torna simples espera, a instalar-me no mundo para melhor o aceitar. Mais cedo ou mais tarde, tudo isso acaba por ser para os outros. Poderia ser de outra forma?

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