Por vezes, o narcisismo descontrolado encontra o seu terreno de eleição. Ou seja, aquilo que, à falta de melhor, se poderia chamar a "arte". Não como um meio de criação de valor, claro está. Ou de humilde aproximação à caótica e evanescente trepidação da vida. Ou como um encontro a que não se pode fugir. Esses são atributos da arte sem aspas. O auto proclamado "artista" resume a arte a um espectáculo onde a estridência (a sua) faz as honras da casa. À sanha onde toma a outra arte, a autêntica, como um terreno de luta pela sua afirmação pessoal. Ou seja, uma continuação da política exactamente pelos mesmos meios. Porém, com um subtil toque de Midas: vendida como coisa diferente, certificada, prestigiante. Mas se assim é, o "artista" pode tardar a assumir abertamente o seu verdadeiro animus dominii - o exercício alucinado de um pequeno poder num círculo blindado - mascarando-o, provisória, mas eficientemente, com a inimputabilidade da sua condição de "artista". Desta forma, porque não diz ao que vem, o seu mérito artístico nunca chega a ser escrutinado, porque encarado como simples labor político. Porém, no fundo, o "artista" narcísico vive cercado pelo medo: da escassez do aplauso, da isenção de quem pensa fora da matilha, da usura do tempo. E, sobretudo, desdenha a liberdade do criador que sabe onde está o verdadeiro poder. Ou seja, precisamente na ignorância, na disponibilidade incondicional para a brincadeira. O multi-artista, pelo contrário, leva-se totalmente a sério. O aplauso é o múnus dos que o cercam. Não sabe que, na verdadeira arte, o oficiante deixa-se morrer um bocadinho. Na condição de simples agente de um fulgor que não é seu, mas que todavia faz brotar. Nada de novo, portanto. Os pequenos totalitarismos só diferem dos grandes pelo número de caracteres que lhe dedicam os compêndios de história.
Uma bela descrição da corrupção moral que grassa no mundo "imaculado" da cultura. Onde há de tudo, é certo, mas também disto.
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