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terça-feira, 20 de outubro de 2009

Louçã, o eterno jovem que nasceu velho

O Bloco de Esquerda pode ter perdido as autárquicas mas Louçã ganhou no fim deste ciclo eleitoral. Ganhou porque ele, o trotsquista, enviou para Bruxelas Miguel Portas, ou seja o representante da linha estalinista-revisionista. Em Lisboa, o maoísta Luís Fazenda saiu derrotadíssimo. E Louçã é para todos os efeitos o homem que nas últimas legislativas levou o BE quase a terceira força política nacional. Louçã é uma das mais interessantes figuras do universo político português. Alguém que aqui aterrasse vindo doutro planeta e tendo em conta os estereótipos vigentes imediatamente ao vê-lo e ouvi-lo acreditaria que ele era um representante da direita ultramontana. Na verdade não se enganava a não ser no rótulo pois Louçã é um homem muito antigo. Aliás Louçã não só é o mais antigo líder em funções em Portugal como ainda usa uma linguagem que remete para outras eras: pluraliza o nome dos que diz ricos num tique desses tempos em que os empresários não eram propriamente indivíduos mas sim os Mellos e os Champallimauds, eternamente representados de cartola e atolados de vícios. O que é notável, e isso é claramente mérito de Louçã, é que apesar da sua longevidade política e do seu estilo ele aparece associado a uma alternativa tida como jovem. E ainda mais notável é que consegue que a vida interna do BE seja retratada na comunicação social com a bonomia de quem recorda os acampamento de juventude: ali não há crises nem tensões, muito menos lutas pelo poder. O PCP tem linhas, o PSD é todo ele um conflito, o PS apesar de estar no poder ainda vai tendo uns críticos e o PP vive daquela luta entre grupos. O BE pelo menos mediaticamente é uma união sagrada.
Louçã, o líder que nunca envelhece, deu estrutura política ao sonho de uma geração nascida no pós 25 de Abril que gostaria de viver o folclore de um PREC sem ter de pagar no seu conforto e garantismos as consequências disso. Mas o que cabe perguntar é se Louçã pode envelhecer pois por ironia esse imaginário dos votantes do BE, imaginário muito mais de colecção lúdico-juvenil do que marxista, só se mantém enquanto o BE não for poder. Para essa geração ver Louçã ministro era o mais triste sinal de que afinal quer eles quer o próprio Louçã tinham crescido. De que acabara aquele tempo-espaço onde continuam sempre todos eternamente jovens, aquele BE liderado pelo Louçã.

Helena Matos, no "Público" de 19 de Outubro

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