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terça-feira, 11 de agosto de 2009

Leituras


Lucien Rebatet foi um brilhante e injustamente esquecido escritor, jornalista, ideólogo, crítico musical e de cinema. Para além dos inúmeros artigos que escreveu nos jornais, publicou o manifesto "Les Décombres" (onde não poupa a III República e as instituições que a suportavam pelo desastre de 1940, sendo um livro banido em França durante décadas), o romance "Les Deux Etendards", ignorado pela crítica, apesar da sua grande qualidade literária e ainda uma "História do Jazz", esgotadíssima, mesmo nos alfarrabistas mais selectos. Foi activista na "Action Française" e um dos mais influentes redactores do jornal colaboracionista “Je suis partout”, onde pontuou Robert Brasillach, entre outros. Notabilizou-se também como redactor da rádio Vichy e mentor no grupo de Doriot.
“Memórias de um Fascista” constitui um relato da vida do autor entre a ocupação, em 1940, e o seu perdão, depois de ter diso condenado à morte, em 1947. A obra é composta por duas partes: o corpo principal, até à sua estadia em Sigmaringen, e um apêndice, retirado de um texto dedicado a Céline. Onde pode ler-se, a certa altura: «Qu’était-il donc, au fait? Un anarchiste? Le mot est un truisme bien vulgaire pour ce conservateur, perpétuellement clochard dans sa propre vie, mais imbu d’ordre civique, de santé sociale. Non. Un poète, qui eut la bravoure de prêter sa voix d’Apocalypse à nos plus justes mais nos plus dangereuses colères. Et pour toutes les choses supérieures, un homme de bons sens, ce grand bon sens dont parle Baudelaire, “qui marche devant le sage comme une colonne lumineuse à travers le desert de l’histoire”.»
A obra enfrenta alguns tabus na história francesa do séc. XX e sintetiza o activismo e o ideário da direita totalitária na primeira metade do século. Um exemplo: «Porque nos dizíamos fascistas? Porque tínhamos criado horror à democracia parlamentar, à sua hipocrisia, à sua imperícia, às suas vilezas. Porque éramos novos, porque o fascismo representava o movimento, a revolução, o futuro sobre o qual reinava, desde antes da guerra sobre dois terços da Europa. Porque eram precisos regimes fortes para lutar contra o comunismo, esse fascismo vermelho, e que se aliassem contra a III Internacional. Nós queríamos o partido único, abolindo as seitas políticas, o controlo rigoroso ou a estatização dos bancos, a defesa dos trabalhadores e dos empregados contra a inumana rapacidade do capitalismo. Não via a necessidade das controvérsias doutorais, das apreciações dos moralistas, dos palpites históricos, económicos e sociológicos para expor em princípios simples, esse programa de acção. Não éramos movidos pelo oportunismo. Tínhamos escolhido as nossas cores dez anos antes.»
Embora não perfilhe a esmagadora maioria das suas teses, impressiona a coragem, a lucidez e a incorruptibilidade intelectual demonstradas por Rebatet. Para além do seu indiscutível mérito literário. No entanto, creio que ainda está por provar que a alternância pacífica entre projectos políticos diversos e uma discussão alargado do bem comum, onde a sociedade civil esteja realmente implicada, não possam ser substitídos, sem grave prejuízo, por outro modelo político.
Uma edição arrojada da "Livros do Brasil", traída por uma tradução deficiente. A obra pode ser encontrada em http://www.stock-out.pt/ .

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