Vi um programa sobre como passam os espanhóis as férias de Verão, no país que tem a maior taxa de desemprego da União Europeia. O programa fala das pessoas simples, dos imigrantes, africanos, chineses e mouros que se passeiam pelas praias vendendo mercadoria de contrabando, a 20 Euros por dia, ou que consertam os carrinhos de choque, nas feiras, ou que vivem em caravanas de feira e tentam fazer delas um lar. Dos evangélicos que escolhem um riozito com pouca água, perto de Toledo e vão vestidos de branco, para ser baptizados, com as suas guitarras espanholas, cantando hinos a um Deus de Amor. Vejo a gente pobre galega que vai colher percebes proibidos às ravinas das rias e, depois de fugirem à Polícia, mudam rapidamente os fatos impermeáveis para irem vender este marisco raro, aos restaurantes. Ou dum grupo de jovens que compõe uma orquestra de feira e viaja de uma cidade para outra, divertindo multidões, com as dançarinas mudando os seus vestidos vaporosos de 10 Euros, num vão de escada, em quatro minutos antes da próxima canção. Vejo-os a sorrir, se bem que durmam na camioneta, há seis anos, todos os Verões, contando pelos dedos os dias que tiveram de férias. E ainda encontram tempo para cantarem uma canção uns aos outros, que fala de paixão e de amor. Não são as pessoas que aparecem na capa da revista «Hola», se bem que também esses tenham a sua pobreza, muitas vezes bem mais difícil de vencer. E vejo o cartaz perdido de um cantor cigano, Rafael de Alcalá, que ninguém conhece, que não deve mais ter que o calor da sua voz e da sua guitarra, numa noite perdida. Do seu rosto marcado, de queixo erguido, vejo que a riqueza não tem cotação.
Vejo então o filme «por quem os sinos dobram», com Cary Grant e Ingrid Bergman, em que a cena final é a do voluntário norte-americano, do lado republicano que, depois de ter dinamitado uma ponte aos nacionalistas, se sai mal e tem de se despedir da rapariga espanhola por quem se apaixonou. De perna partida encosta-se uns instantes à metralhadora com que vai vender cara a vida. Pensa na sua querida América, pensa em Madrid, colorida e, por fim pensa na rapariga que partiu, dizendo: estar contigo foi sempre presente e, na Eternidade, não existe mais que o presente.
Não odeio ninguém de Espanha, nem republicanos, nem falangistas, nem os Grandes dela que querem comprar o meu Povo, o qual se continua a endividar para não parecer pobre. Os sinos dobram por nós, por nós todos, na Eternidade, mesmo que ninguém os queira ouvir.
André
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