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sábado, 11 de julho de 2009

Longa Marcha

No fim dos anos vinte havia gente boa na China que achava que era melhor morrer de armas na mão do que morrer aos bocados na rua, de ópio, de fome, de exploração. Tinham começado por ser republicanos, por desespero contra a traição do Imperador manchú face aos japoneses. Tinham-se depois tornado comunistas porque acreditavam num último esforço da Justiça. E revoltaram-se em Shanghai onde o nacionalista chinês Chiang Kai-Shek, que amava a sua Pátria ao seu modo, os decapitou às centenas na rua. E fugiram. Fugiram. Para o Norte, para Oeste. Marcharam pelos terrenos mais difíceis do Mundo, morreram de fome sem pilharem os camponeses. De cada dez, à partida, chegou apenas um. Muitos ficaram para trás, morrendo torturados. Uma delas foi a primeira mulher de Mao Zedong. Os chineses chamam-lhe «um tempo para lembrar». Entre eles ia um homem pequenino, que se embriagava sempre que podia, que os outros gozavam e a quem chamavam Deng Xiaoping, a «pequena garrafa Deng». Mais tarde, esta pequena garrafa, achou que não importava se o gato era preto ou branco, desde que caçasse ratos, os ratos da miséria da sua gente e, quando morreu, pediu que o queimassem e deitassem as cinzas dele ao mar. Do outro lado do mar, um actor amado pelas mulheres que fora toda a vida homossexual, Rock Hudson, morrendo em sofrimento, pediu a mesma coisa.
Hoje vejo que uma maioria de gente, oprimida e humilhada nas suas crenças e na sua cultura, acha por bem correr a rua de uma cidade no meio do deserto e matar à paulada uns imigrantes internos. E depois, vejo que os imigrantes internos se acham no direito de, no dia seguinte, correrem as ruas e vingarem os seus companheiros inocentes que morreram no dia anterior. No meio deles vejo os polícias chineses e ao cimo vejo um mundo que diz «eu não sou polícia», como Caim dizia a Deus, depois de matar Abel, « eu não sou guarda do meu irmão».
Que a Longa Marcha guarde estes polícias. Ninguém tem o direito de andar a matar à paulada. Que o espírito de Sun Tzu, aquele General que achava que a maior vitória era aquela em que se não derramava uma gota de sangue, encha de alegria o trabalho destes polícias mal equipados, mal pagos e com um sentido inato de que as coisas têm um modo de ser feitas. O mundo em que vivemos será mesmo esse, aquele em que nos viraremos para a direita e veremos a torre de uma mesquita, nos viraremos para a esquerda e veremos alguém que acelera ruidosamente um carro que não queremos e contra o qual votámos. Olharemos em frente e teremos alguém que pensa e sente de um modo diferente daquele que aprendemos. Olharemos para trás e alguém nos olha com mau-querer.
E que tenhamos a coragem, se a situação se tornar insustentável, de começar a Longa Marcha, pelos terrenos mais difíceis do Mundo e do Espírito, morrer de sede sem roubar uma maçã pendurada do ramo de algum pobre. Só para que o Mundo seja menos feio, como na coreografia de Michael Jackson em «Beat it», onde a violência se transformou em Dança e a dança é a vitória sobre os demónios, pelo Amor e pela Harmonia. Que os Polícias da China, num sítio onde o Céu é muito alto e o Imperador está muito longe, dancem como os guerreiros de Qia Long, enterrados, numa noite de Lua Cheia.

André

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