A Si tinha ficado a falar com o Director do “Europa”. Este deixara-se enterrar numa poltrona com os joelhos completamente juntos e os pés cada vez mais afastados.
De vez em quando punha as mãos entre as pernas e olhava para a sala semi-vazia, um pouco desolado. A contracção em que vivia - o prestígio também, é certo - como Director do órgão oficioso do Estado (o que era diferente de Governo), a religião do colarinho branco e dos fatos muito respeitáveis em que tinha sempre vivido, deixavam-no, por vezes, de rastos. O pior era quando antecipava os pequenos gestos de contracção próprios da intimidade e lhes começava a soçobrar ainda em público. Fazia uma triste figura, ele, que enganara tanta gente com o seu queixo sem pescoço sempre apoiado num firme colarinho engomado e as meias pretas longas compradas em sítios que se segredavam como os fornecedores de droga ou de charutos havanos de imitação. Tinha a roupa toda engelhada à volta das pernas, contraídas num frémito de aflição e o casaco pendurado no palmo de ombros como a sobrecasaca do grilo dos desenhos animados. Ficara um bocado como o marido da Mi, o negociante francês (estão a lembrar-se, certamente) mas não era já um mergulho de cabeça na depressão porque toda a figura estava patinada de claro e dava um certo ar primaveril. Era antes um murro no estômago do ânimo, o que condizia, aliás, com a sua posição, curvado, de cotovelos no umbigo. Ficaram juntos, ele e a Si, por algum meneio que esta deu ao corpo grande onde já adornava um sortido razoável de hospitalidades. (ler mais)
Reflexões, notas, impressões, apontamentos, comentários, indicações, desabafos, interrogações, controvérsias, flatulências, curiosidades, citações, viagens, memórias, notícias, perdições, esboços, experimentações, pesquisas, excitações, silêncios.
quarta-feira, 8 de julho de 2009
"A Aversão", de André de Melo (3ª parte)
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