A meio da manhã, foi fazer compras. Atravessou o jardim até à garagem pela trilha de pedras, como se caminhasse já pela rua central de Cascais. Olhou de relance o jardim e viu a piscina onde o filtro mergulhava como um animal pré-histórico a beber. Achou que assim estava bem, deixava a casa numa perfeita tranquilidade ( “pax tranquilla libertas est” já dizia o Cícero). Sentiu-se agradecida a Deus por viver naquele sossego, longe da brutalidade de Lisboa. No entanto, quando punha o carro a trabalhar, subiu-lhe uma comoção profunda pela cana do nariz e desaguou num pranto inexorável. Baixou a cabeça de modo a que o chapéu de aba larga lhe ocultasse a cara e... chorou mesmo. “Meu Deus! Como é possível!?”, bramiu, enquanto desferia os punhos no volante. Sentir-se observada daquela maneira, esquadrinhavam-na a cada canto da sua vida íntima, a perseguiam-na a cada segundo!”. Será que a inveja pairava no ar, era o anjo da Morte dos primogénitos, depois das pragas da brutalidade e da falta de educação generalizadas?! Porque é que a perseguiam daquele modo quando escrevia? Sentia os dentes de predadores rangendo nas obscuridades daquela Lisboa de falhados, sentia o catarro de aves absurdas preparando-se para romperem o silêncio, à gargalhada. Tinha a alucinação de que passava numa floresta de espinhos em camisa de noite e uma das fímbrias prendia-se, ela não conseguia libertá-la, ficava nua e esfarrapada à vista das árvores ululantes ( devia andar a ver demasiados vídeos...). (ler mais)
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