Produção: Teatro Meridional (http://teatromeridional.net)
Direcção cénica: Nuno Pino Custódio
Actores: Carla Maciel, Fernando Mota, Luciano Amarelo, Miguel Seabra
Pequeno Auditório do TMG, 24 de Janeiro
O nome da peça é, ele próprio, uma abreviatura de “velocidade”. Uma palavra que não se deixa dizer, portanto. Por falta de tempo. Por causa da respiração ofegante. Porque é inútil. É precisamente isto que torna VLCD! um espectáculo diferente e único. Consegue captar, de forma particularmente feliz, a ânsia do vazio das pessoas que não têm tempo. Ou seja, como define acertadamente o encenador, “anda em torno do sentimento de que quando chego a um sítio já não estou lá, estou noutro.” Algo que poderia ser o subtítulo desta peça. Recordo-me de um livro de Kundera que li há uns anos. Chamava-se “somente” “A Lentidão”, talvez porque o pudor do autor o impediu de colocar “O Elogio” à frente. E qual o tema da obra? A velocidade, pois claro. Ou melhor, o vínculo secreto entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esquecimento. Para Kundera, a velocidade tornou-se a obsessão característica do homem moderno, a sua marca distintiva, a vertigem que lhe resta. Nada que não me tivesse ocorrido enquanto na assistência.
Nesta peça, o cenário é simples e de uma eficácia notável: uma arena vermelha, que faz lembrar aquelas onde os toureiros se exercitam, rodeada por malas. De todos os tamanhos e feitios. Que as personagens transportam, abrem, empilham, percutem, tocam, manipulam, extraem sons e objectos. Objectos com que recriam permanentemente o espaço cénico. A circularidade é aqui, com propriedade, a medida do tempo. Mas também a marca de um espaço exíguo, de onde é impossível fugir. A não ser voando. As malas são os sinais da errância, da insatisfação. Ou então, como explica acertadamente Nuno Custódio, “da incapacidade de estar no aqui e agora”. Um conceito muito new age. Mas que, todavia, se adequa perfeitamente a esse frenesi que se instala desde o primeiro momento, que perturba, que lança o desconcerto, que diverte com reserva, mas que contagia inevitavelmente o espectador. Cujas gargalhadas não afastam nunca a incomodidade e uma subtil identificação. Talvez por isso, o único personagem a quem resta alguma “humanidade”, promove às tantas o brechtiano “efeito distanciador”. Ai interpelar o público sobre o que está a presenciar. Em português. Uma opção que, por vezes, soa a deja vu, mas que aqui tem alguma razão de ser. Não é, pois, impunemente que se recria esta agitação absurda e inconsequente, onde o homem urbano vai buscar o seu alimento e a sua razão de ser. Mas onde, demonstra-o este espectáculo à exaustão, vai buscar também uma linguagem incompreensível, um patético frenesi comunicacional cheio de equívocos e fragmentos absurdos. E onde os sentimentos e a empatia, quando brotam, são imediatamente boicotados pelo que melhor representa o tempo, ou seja, aquilo que no caso, nos dispensa dele. Refiro-me à utilização de gadgets improvisados: gravatas, carimbos, telefones, tesouras, cabides, balões, chapéus, etc.
Saliento, por sua vez, o “género” a partir do qual se criou o espectáculo. Ou seja, o recurso à técnica inconfundível do “clown”. Aqui enriquecida pela ausência de texto convencional, substituído na ocasião por uma “língua de babel”, ficcionada, onomatopeica. Uma opção destinada a reforçar o absurdo, o cómico e a estranheza das várias situações que se vão sucedendo, balizadas pela música: o local de trabalho, um bar, um par de namorados, o comboio, um estabelecimento comercial, etc. Em suma, esta última produção do “Teatro Meridional” corporiza um grande momento de teatro. Que nos fala da velocidade. Mas sempre sem tempo, sempre a fugir.
Nesta peça, o cenário é simples e de uma eficácia notável: uma arena vermelha, que faz lembrar aquelas onde os toureiros se exercitam, rodeada por malas. De todos os tamanhos e feitios. Que as personagens transportam, abrem, empilham, percutem, tocam, manipulam, extraem sons e objectos. Objectos com que recriam permanentemente o espaço cénico. A circularidade é aqui, com propriedade, a medida do tempo. Mas também a marca de um espaço exíguo, de onde é impossível fugir. A não ser voando. As malas são os sinais da errância, da insatisfação. Ou então, como explica acertadamente Nuno Custódio, “da incapacidade de estar no aqui e agora”. Um conceito muito new age. Mas que, todavia, se adequa perfeitamente a esse frenesi que se instala desde o primeiro momento, que perturba, que lança o desconcerto, que diverte com reserva, mas que contagia inevitavelmente o espectador. Cujas gargalhadas não afastam nunca a incomodidade e uma subtil identificação. Talvez por isso, o único personagem a quem resta alguma “humanidade”, promove às tantas o brechtiano “efeito distanciador”. Ai interpelar o público sobre o que está a presenciar. Em português. Uma opção que, por vezes, soa a deja vu, mas que aqui tem alguma razão de ser. Não é, pois, impunemente que se recria esta agitação absurda e inconsequente, onde o homem urbano vai buscar o seu alimento e a sua razão de ser. Mas onde, demonstra-o este espectáculo à exaustão, vai buscar também uma linguagem incompreensível, um patético frenesi comunicacional cheio de equívocos e fragmentos absurdos. E onde os sentimentos e a empatia, quando brotam, são imediatamente boicotados pelo que melhor representa o tempo, ou seja, aquilo que no caso, nos dispensa dele. Refiro-me à utilização de gadgets improvisados: gravatas, carimbos, telefones, tesouras, cabides, balões, chapéus, etc.
Saliento, por sua vez, o “género” a partir do qual se criou o espectáculo. Ou seja, o recurso à técnica inconfundível do “clown”. Aqui enriquecida pela ausência de texto convencional, substituído na ocasião por uma “língua de babel”, ficcionada, onomatopeica. Uma opção destinada a reforçar o absurdo, o cómico e a estranheza das várias situações que se vão sucedendo, balizadas pela música: o local de trabalho, um bar, um par de namorados, o comboio, um estabelecimento comercial, etc. Em suma, esta última produção do “Teatro Meridional” corporiza um grande momento de teatro. Que nos fala da velocidade. Mas sempre sem tempo, sempre a fugir.
Publicado no jornal "O Interior", em 22 de Janeiro
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