Reflexões, notas, impressões, apontamentos, comentários, indicações, desabafos, interrogações, controvérsias, flatulências, curiosidades, citações, viagens, memórias, notícias, perdições, esboços, experimentações, pesquisas, excitações, silêncios.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Tábua de marés (20)

“O Tambor” (“Die Blechtrommel”), 1978
Realização: Volker Schlondorff, a partir do romance homónimo de Günter Grass, 1959 Duração: 1:41
Pequeno Auditório do TMG, 9 de Dezembro.

Em boa hora este filme de culto da cinematografia alemã, que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, foi exibido entre nós. Danzig/Gdansk, Alemanha, durante os anos 20/30 do século passado. A história é narrada a posteriori pelo protagonista, Oskar Matzerath, que no livro é nessa altura interno num hospício. Logo após o seu rocambolesco nascimento, a mãe promete-lhe que, ao completar três anos, ganharia um tambor de latão. No dia da comemoração de seu aniversário, após presenciar os jogos eróticos entre sua mãe e seu primo com quem mantinha um caso (uma sequência que faz lembrar uma outra em “O charme discreto da burguesia”, de Buñuel), Oskar decide que não iria crescer mais e força um acidente. Provocando assim um anacronismo fisiológico: deixa realmente de crescer. Quando o seu padrasto e outros tentam tirar-lhe o seu adorado tambor de latão, Oskar demonstra o seu talento bizarro: com um grito super agudo, faz estalar os vidros em redor. Entretanto, o movimento nazi afirmou-se na Alemanha e o padrasto adere ao movimento, entre outras figuras próximas. A história do jovem Oskar, em tom de comédia, começa muito antes, quando os seus avós se conheceram no campo (uma cena divertidíssima debaixo da saia da avó). Na cidade de Danzig existia uma minoria étnica de onde provinha Oskar: os cassúbios, que não se consideravam nem alemães nem polacos. Tendo pago por isso um elevado preço, ao perder-se entre os conflitos que marcaram a primeira metade do século na Europa. O que tem de divertido, “O Tambor” tem de crítico e sagaz também. Um miúdo apresenta-se como um incorrigível observador. É através do que ele vê que acompanhamos o rumo da história. Sempre acompanhado do seu inseparável tambor vermelho e branco e da sua voz incomum. É o olhar descomprometido de uma criança analisando o mundo adulto e resolvendo não pertencer a esse mundo: as eternas convenções sociais, casamentos arranjados, amores impossíveis, as aparências, o espectáculo da política. A propósito, a sequência mais caricata da obra acontece durante a recepção do Partido local a um dirigente nazi, na praça principal. Durante a cerimónia, o pequeno Oskar, escondido, toca o seu tambor. É quanto basta para o desconcerto da banda se instalar, transmitindo-se, de forma contagiante, para a assistência, que começa a dançar uma valsa. A chuva encarrega-se de dispersar o que resta da ocasião. Um filme que continua a surpreender pela subtileza bem-humorada e pela contundência com que interpreta uma época conturbada.

Publicado no jornal "O Interior", em 19 de Dezembro

Sem comentários:

Enviar um comentário