Estou em Coimbra durante toda esta semana. Mesmo sendo verdade, é sempre bom acrescentar, para efeitos narrativos, que o faço por razões profissionais. Mais precisamente, por causa de um programa de implementação do Citius, a nova plataforma informática dos tribunais. Já ouviram falar? Who cares? Ou seja, voltando ao tema quente, "as razões" aparecem como uma designação oficial, que encobre um desígnio intimo: revisitar Coimbra enquanto deambulação pascaliana. Esperando encontrar algumas das criaturas bestiais do reino do fantástico, imaginadas por Borges. Tanto mais que matéria não falta para abrilhantar a festa. Coimbra tem-me acompanhado ao longo dos tempos. Não desconheço que este enunciado tem algo de bíblico, mas o que é que se há-de fazer? Desde um período desmedidamente feliz na infância, a um outro na idade da gaveta, passando por umas deambulações académico-orgiásticas mais à frente, por supuesto. Numa delas, houve um episódio tarantiniano, chamemos-lhe assim provisoriamente. Na República onde pernoitei, salvo erro Bu-falos-bílis, ia no grupo uma norueguesa. Pois a moçoila, ao ver uns pescoços de gansos em cima do frigorífico, depenados no dia anterior, depois de uma surtida por um dos parques da cidade, teve que a modos que um requebro. E caiu redondinha no chão. Precisamente ao lado de um caixão encostado à parede, com uma portinhola de vidro à altura da cabeça do putativo defunto, não vá o diabo tecê-las. E onde os neófitos eram obrigados a dormir na primeira noite. Ainda bem que não viu o clister que corria numa roldana por cima da mesa, normalmente cheio de vinho e por onde os convivas honravam Baco em grupo. Mais tarde houve uma pós-graduação em Direito da Comunicação, aos fins de semana. E uma curta, mas intensa estadia no hospital, após um trágico acidente de carro. Pelo meio, os inevitáveis Encontros de Fotografia, um encontro de grupos de teatro universitário, incursões poéticas avulsas, a espaços, e meia dúzia de encontros amorosos. Ou seja, um ou dois. Espero não me ter esquecido de nada importante. Algumas precauções são agora devidas aos meus queridos leitores. Em primeiro lugar, não me incluo naquele lote de saudosos profissionais que mal ouvem falar da lusa Atenas, começam a falar alto com o olhar perdido, instrumentando na circunstância uma nostalgia a propos, um tique pavloviano dedilhado à guitarra, com uma inscrição gravada num penedo qualquer de um álbum fotográfico cheio de cintilações e ervas daninhas. Por outro lado, sou insuspeito dessa tentação, precisamente porque não fiz "cá" a minha vida académica. Em vez disso, considero-me um amante de longa data, dispensado há muito de senha e contra-senha. E que, sem o peso do saudosismo, pode sempre descobrir novas geometrias na cidade, acrescentar sempre algo de novo ao que se desconhece e não simplesmente compor uma paz interior à custa de um passado mítico. Desta vez, pude admirar de longe a nova face do mosteiro de Santa Clara a Velha, prestes a ser aberto ao público, o arranjo ao longo da zona ribeirinha e até o novo mega espaço comercial. E um bar onde já não ia há muito, a meio do Quebra Costas, com net à borla. Um local feliz onde passam os The Cure em doses generosas e de onde saúdo os leitores. E pronto, estou quase de abalada. Por favor, e não me digam que a hora tem mais encanto...
Sem comentários:
Enviar um comentário