Reflexões, notas, impressões, apontamentos, comentários, indicações, desabafos, interrogações, controvérsias, flatulências, curiosidades, citações, viagens, memórias, notícias, perdições, esboços, experimentações, pesquisas, excitações, silêncios.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Obâ!

Valeu a pena? Dizia Fernando Pessoa que sim, enquanto a alma não é pequena. Este blogue não é bruxo, nem os jogos das eleições, que podiam dar tanto de comer a tanta gente, são uma varinha mágica. Mas, valeu a pena, Prêto Velho, que tivesses sido roubado aos braços da tua Mãe, em África, tivesses naufragado no mar entre outros escravos já meios mortos de sêde e de pancada, que tivesses sido perseguido atado a um carro, incendiado vivo, chicoteado, moído, enrabado, marcado a ferro, bebido inteiro por uma garrafa, para que um filho do amor que há entre os contrários, chegasse a Presidente dos Estados Unidos. Eu não percebo nada de Jazz, que parece aludir directamente ao Amor carnal, eu não gosto da Condoleeza Rice, que é bem bonita, mas acredito que há de certeza uma canção, como a de Louis Armstrong que, rindo-se como um cão mostra os dentes ao dono que lhe bate, ou um espiritual negro como aquele em que o refrão diz “Ninguém viu o sarilho que eu vi, senão Jesus”, que agora, valeu a pena. Valeu tudo a pena. Talvez para nada, porque nenhum presidente eleito é deus. Mas, de cada vez, que sofremos horrivelmente, que vemos a Morte à frente, que o céu se racha de dor, tudo tem um sentido e que – como na canção de Mozart – os orgulhosos serão humilhados e os humildes exaltados. E dedico isto ao Badaró, que morreu sózinho ontem, no Instituto Superior de Oncologia e que já não nos conseguia fazer rir e que há uns dias chorou silenciosamente a uma amiga que o foi visitar e só pediu água. E dedico isto ao meu eterno amigo Miguel Arcanjo, anjo do relvado, prêto do Huambo que era capaz de pedir e humilhar-se às vezes por coisas tão pequeninas, como os desejos de uma criança, que vê-la sorrir já serve de prémio duma vida inteira. E agora, como o último desejo do Badaró, em silêncio, peço um copo de água, por todos os escravos, por todos os maltratados da terra que têm sêde...

André

Sem comentários:

Enviar um comentário