"Ópera"
Concepção e interpretação: Tiago Guedes e Maria Duarte
Música: “Dido and Aeneas”, de Henry Purcell, com libreto de Nahum Tate
Pequeno Auditório do T.M.G., 4 de Outubro de 2008, 21H30
Trata-se da primeira apresentação no âmbito do festival Y #6, uma co-produção Quarta Parede/TMG. Esta proposta caracteriza-se essencialmente pelo seu ecletismo. No texto de apresentação fala-se mesmo em “espectáculo total”, embora o termo se refira com mais acerto à combinação equilibrada de linguagens – teatro, música operática e dança – do que a uma intensidade especial de uma delas. Mais o efectivo diálogo e conjugação entre diferentes noções de representação num mesmo espaço do que a uma arrumação pré-definida. O espectáculo é a adaptação coreográfica de "Dido e Eneias", de Henry Purcell, uma ópera barroca em três actos, a partir de uma ideia original de Tiago Guedes. Estreou em 24 de Julho de 2007, no espaço Negócio/ZDB, em Lisboa. A história do libreto conta-se em poucas palavras: retirada da Eneida, de Virgílio, relata os amores entre Dido, rainha de Cartago e o troiano Eneias, após este ter naufragado junto aquela cidade. No entanto, Eneias teve de partir, afim de fundar Roma, para grande desgosto de Dido, que se limitou a aguardar a morte. A música é pois um elemento omnipresente. A releitura das convenções barrocas não apagou algumas das suas marcas: os actores olham quase sempre para um plano superior, onde se situaria a corte. Nesses momentos, o seu rosto funciona como uma câmara fotográfica e um espelho: regista a luz e devolve-a, transfigurada. Umas vezes ausente, outras ganhando uma expressividade quase infantil. O acompanhamento mimético do canto é propositadamente exagerado, realçando a artificialidade da situação. No texto de apresentação, fala-se precisamente de “sucessão e sobreposição de artifícios”. Efectivamente assim é. Mas também não podia ser de outra maneira, uma vez que a estética de base – o barroco – se caracteriza precisamente pelo artifício. Basta pensarmos na solução híbrida, mas reconhecível, encontrada para os figurinos. Por outro lado, os actores raramente trocam os olhares entre si, mas quando o fazem é como se houvesse um curto-circuito momentâneo, após o que o interlocutor passa a ser o vazio. Daí ter-me ocorrido, por várias vezes, o desconcerto de algumas coreografias de Pina Bausch, a sua dilaceração irresolúvel. Creio que o ponto alto deste espectáculo é precisamente a sua ambição, bem sucedida, da superação das várias convenções associadas ás várias linguagens que reúne. Um só pormenor de encenação me desagradou: a presença excessiva da vendedora, supostamente sinalizando um intervalo, mas cortando o ritmo do espectáculo. Para o efeito pretendido, bastaria uma passagem pelo fundo do palco, com iluminação adequada.
9.10.2008
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