O poeta é um fingidor, mas só porque o desencanto nunca é filosófico, mas poético, porque apenas a poesia é capaz de representar as contradições sem as resolver, compondo-as numa unidade superior, elusiva e musical, enquanto esse desencanto, ao mesmo tempo que corrige a utopia, moderando o seu pathos profético e finalista, reforça o seu elemento fundamental, a esperança, pois que a esperança não nasce de uma visão do mundo tranquilizadora e optimista, mas sim da dilaceração da existência, vivida e sofrida sem véus, que cria uma irreprimível necessidade de resgate perante o mal, o mal que é simplesmente a radical insensatez com que se apresenta o mundo, a mesma que exige que a perscrutemos em profundidade, o poeta é um fingidor, nada mais, porque não hesita em denunciar uma ferida profunda que lhe coloca dificuldades na realização plena, tanto mais que "ambicionar viver é coisa de megalómanos", como escreveu Ibsen, querendo com isto talvez dizer que só a consciência do árduo e temerário que é aspirar à vida autêntica pode permitir que nos aproximemos dela, tão completamente que até parece dor a limalha irisada que nos cobre, nesse momento, como que numa exclamação incontida de glória...
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