Já não escrevo um poema desde 2001. "Mas como é possível?", "o que é que tens andado a fazer?", perguntam os mais afoitos. " Bem, o ofício do poeta não inclui a prova sazonal, em letra de forma, mas a desmesura do resultado, o vigor da errância. É essa a sua prova de vida, ou o que isso seja", dirão os que não desconhecem a maturação recatada do poema. Mas há ainda outra razão. Que se poderia nomear, à falta de melhor o "amparo do fogo". Porquê o fogo? Mais um recurso de estilo? Mais um ingrediente de um composto inócuo? A razão é simples: deve-se lidar com ele usando de toda a parcimónia. O verdadeiro perigo está em julgar que o dominamos, que lhe adivinhamos os movimentos, as percepções, as serventias, a inteligência móvel e imprevisível. Perigo de morte, portanto. Há momentos em que ele nos convida a arder consigo, participar numa langorosa erupção do ardor. Outras, envolve-nos na vertigem da aniquilação. Todavia, fixemo-nos no que ele desvela. E então, rente à corola do silêncio, à sabedoria do mel, à dor que no caminho revela, às mãos que se acendem, escavando, é aí que saem as palavras furtivas, as palavras que buscam a obscura transparência, as palavras que estão a mais. As que queimam.
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