Em dia de aniversário, é justo falar dos espectros e das correrias sem destino. Das arrumações enganosas, mas infalíveis, onde o amor nos coloca. Acerca dos primeiros, a imprevisibilidade da sua aparição assusta mais do que comove. O que está mal. É a razão febril, é certo, mas ainda a razão. Ou seja, muito mais do que a razão. Uma grandeza por momentos privada do oxigénio da esperança, quando a solidão real, fora de qualquer tentação lírica, bate nas vidraças. E que, num ambiente rarefeito, acaba por reformular a sua lógica ferida à luz desse instantâneo. Podia ser algo como: "O pior fez-se anunciar, portanto vou ter de abandonar o medo de ver o pior acontecer". Por outro lado, os aniversários são também lugares sem tempo. Projectos arrumados no meio da correria. Retomo aqui o que então escrevi por alturas do novo ano. "Algures na vida chega o lugar da gratidão. Por aqueles que nos amaram - poucos, após esticar o balanço com honestidade - por aqueles que não o souberam ou eu não soube, pelos erros que tão bem denunciaram o caminho, pelos outros que não passaram de hesitações, por aqueles que esperaram, divididos entre o orgulho e a queda, pelo consolo da ronda à volta do claustro, pelo fogo que triunfou, por vezes, no cume da insurreição e das sombras, pelas cinzas que foram ficando, pelos caminhos só ainda depois caminhos, pela assembleia de convidados que o vento trouxe e o vento dissipou, pelo orgulho que tudo rasgou, pelos céus de van gogh, pela poeira onde tudo se irá resumir. E brilhar."
Parabéns, Gil. Nunca guardei as datas de aniversários das pessoas importantes da minha vida porque pensei que fazíamos anos todos os dias, sobretudo os dias em que nos encontrávamos ou nos dias em que tínhamos todos decidir nascer como irmãos, todos juntos, para parecermos muitos, talvez como o 19de Maio. E se não houvesse data, então tíhamos todos nascido no Natal, até Jesus. É engraçado...quando procuro nos olhos das pessoas, nunca encontro uma data. Parabéns de qualquer modo. Quando fiz 40 ia na estrada, nunca tive grandes aniversários nem muita gente que mos celebrasse, com o tempo passei a acreditar que o aniversário era um dia especialmente desafiador para lavar os pés aos outros. Por falta de amor, passei a celebrar a hora em vez do dia. Aos quarenta saí do carro, despejei o resto de uma garrafa de água na cara, olhei o céu e disse: nós não somos daqui. Viemos do céu, a voar e a ele havemos de voltar.
ResponderEliminarParabéns sinceros (bendiz o dia em que nasceste) e continua a escrever. Se falas na Rádio Altitude dá-me a sintonia, por favor, para ver se, daqui, ouço.
André
André:
ResponderEliminarGrato pelas tuas palavras. Este ano vens cá no 19 de Maio?
Quanto às crónicas na rádio, até gostaria, mas parece que não é possível.
Abraço