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segunda-feira, 28 de abril de 2008

A jangada de plástico

Assisti ao inesquecível espectáculo de Carlos do Carmo no Teatro Municipal da Guarda, assinalando os três anos desta instituição, no passado dia 25. A páginas tantas, o cantor fez uma referência a José Saramago, a propósito de uma colaboração pontual para um fado recentemente gravado. Grande parte do público aplaudiu a alusão. Vi mesmo pessoas de reconhecido mérito intelectual a fazê-lo com um entusiasmo semelhante ao dos participantes nos congressos do PCUS, nos tempo de Estaline e Brejnev. É claro que fiquei em silêncio. Não gosto do homem e não gosto do escritor. A imagem do ex director do DN a denunciar e sanear jornalistas, por "delito de opinião", consegue sobrepor-se a qualquer juízo de mérito que possa fazer de Saramago. As bujardas estalinistas e o neo realismo de conveniência que foi cultivando são simples decorrências de uma intolerância e de um ressabiamento sem paralelo na literatura portuguesa. Mesmo assim, poderia perfeitamente reverenciar a sua obra. Mas não o faço. Céline, Garcia Marquez ou até mesmo Manuel da Fonseca, só para dar alguns exemplos, posicionaram-se politicamente em lugares que não são os meus. No entanto, não deixarei nunca de reconhecer o seu talento de grandes escritores. No caso de Saramago, tal é impossível. Como escritor, é claramente medíocre. Escreveu dois ou três livros com algum interesse. As questões da modernidade passaram-lhe ao lado. Quis criar romances que fossem "laboratórios do apocalipse", mas ficou-se pela repetição pífia do mesmo desenho ficcional: o herói, um alter ego do autor que só muda de nome, é invariavelmente um "homem comum" com tiques sofistas. Corporizando uma dilaceração ideológica que o autor transporta de uns livros para os outros, mais cedo ou mais tarde encontra uma musa omnisciente, uma heroína guerreira saída das estampas da propaganda da 1ª república. Esta acaba sempre por salvar o nosso herói da obscuridade e da hesitação. Uma fábula para um whisful thinking preguiçoso e repetitivo. Por mim, vale mais uma simples crónica do Lobo Antunes do que a obra completa deste gongórico dos tempos modernos, levado ao colo por certa intelligentzia ibérica.

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